O Pesadelo

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Um coral de milhares de vozes ecoava por todos os lados. Azul, dourado, vermelho, era possível enxergar as ondas de som dançando por todo lugar fazendo audível aquele coro. Ao tempo que aquele som se tornava mais forte e se harmonizava com sons de instrumento de cordas, uma densa névoa que cobria aquele lugar se dissipava e foi possível ver com mais clareza as centenas de milhares de criaturas celestiais posicionadas como se em vários andares desde o firmamento até as estrelas, com vestes cintilantes e grandes asas douradas em movimento. Seu canto invadia ali por inteiro como um arco íris envolvendo aquele lugar.

No centro havia três tronos. Um maior no centro e dois menores nas laterais dele. Radhal — deus do engano, nele todas as coisas se originaram, soberano, imponente, poderoso — se assentava autoritário no maior deles, uma coroa em sua cabeça, o tórax desnudo, um cinturão dourado e vestes reais negras como o cosmos. Sua presença exalava poder e domínio e inspirava o cântico daquelas criaturas.

Ao seu lado esquerdo estava assentado Fursa — deus do acaso, criador de todo o universo palpável e visível e das criaturas que nele habitam — forte e belo com seus cabelos dourados como o sol onde repousava sua coroa que brilhava refletindo toda criatividade e magnificência que este personificava. Suas vestes reais oscilavam do preto ao dourado como o céu noturno se incendeia ao amanhecer.

Ao lado direito de Radhal estava seu grande amor. Irma — deusa da fé, aquela que abençoa todas as criaturas as dando uma razão para viver — gloriosa, formosa e inspirava serenidade com sua presença. Com uma coroa no topo de sua cabeça de onde caiam seus longos cabelos castanhos que emolduravam seu corpo. Suas vestes reais brilhavam num tom escuro, a cauda de seu vestido estava disposta a frente de seu trono como um córrego que percorria pelos degraus do salão.

Espalhados, assentados pelos degraus à frente dos tronos dos três deuses, estavam seus filhos. Zorah — deusa do desejo sexual, que abençoou os homens com a ardente paixão pelos seus corpos — envolta em seus compridos cabelos brancos como a lua e coberta por um longo vestido pálido como pérola, voluptuosa, radiante como a mais linda das estrelas que já brilhou no céu. Gastão — deus da ira e da violência, sua benção tem feito os homens triunfarem em guerras durante séculos — assim como seu pai nenhuma veste cobria seu peito musculoso, suas vestes reais abaixo de seu cinturão dourado eram brancas. Carah — deusa da fama e do triunfo, abençoados por ela são todos os homens que imortalizaram seu nome na história — bela como o céu dourado numa tarde de verão, contemplá-la em seu vestido branco, passando os dedos em seus cabelos num tom que flutua do castanho ao dourado era certamente uma imagem hipnotizante.

Radhal se levanta em meio a toda aquela honraria e desce os degraus, por um momento ele encara sua filha mais velha, Zorah, e estende a mão para tocá-la na cabeça, o rosto da deusa se ilumina com um sorriso, o amor que sentia por seu pai era tão intenso que não conseguia mensurar. O deus do engano continuou seu caminho até se encontrar no centro daquele lugar, onde abriu os braços para receber toda aquela adoração. O canto das criaturas vinha de toda parte. Suas vozes coloriam o céu. — Ó magnífico, esplendoroso — Ao ouvir aquelas palavras de adoração seu coração se enchia de alegria e contentamento, seu desejo era compartilhar aquele momento com seus dois semelhantes, ele se vira para o trono na intenção de convidá-los para se juntar a ele mas foi interrompido com um golpe no peito.

Irma, mãe de seus filhos, o golpeara com o pé bem no peito o fazendo despencar. Ao atingir o firmamento, ele continuou a cair e enquanto caía podia ver todos assistindo sua queda. As criaturas cada vez mais inalcançáveis, Fursa e Irma abraçados como cúmplices, Gastão e Carah assustados, Zorah em prantos. Radhal caía sem parar, ele nunca havia sentido medo em sua vida, mas naquele momento esse sentimento o dominou, seus olhos não alcançavam mais aquele reino, tudo o que ele enxergava era névoa, uma névoa escura e espessa que relampeava. Até que tudo desapareceu.

As Crônicas do EnganoWhere stories live. Discover now