SALVAR VOCÊ DE MIM

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Gotas no ritmo calmo de uma sinfonia caiam uma a uma parecendo prata ao que tocava seu ventre nu, branco como cal. E me gelava como que se caíssem em mim. Seu corpo adocicava-as e saciava uma a uma ao que elas rolavam por sua coxa, buscando umas as outras; você me olhava como que se não me visse, e eu te olhava como se não estivesse lá. Atrás de você uma pia de porcelana tão velha quanto a pintura acima do azulejo – também velho, branco, porém encardido. As gotas prosseguiam no ritmo exato de um metrônomo e me excitava vê-la reagindo, mexendo seu quadril com a leveza de uma gata, semovente. O vento poderia passar por você e assim você se espalharia como um montinho de papéis, ou melhor, como aquele dente-de-leão que fiz você soprar.

Você não estava no seu eu, seus cabelos curtinhos eriçados agora eram parte de uma fantasia íntima onde eu pudera tocá-los: ora com mãos de carícia, ora com mãos de um assassino perverso, ora com mãos de amante. No momento, no entanto, eu era apenas um fantasma no lugar, radiando energia vermelha, sedenta por tua carne cheirosa e lisa como flores de orquídea. Ah, quando me olhou de lábios ferozes e dentes vampirescos, e esticou-se para trás envergando-se como a haste de uma colcheia, agarrando a pia, seus seios em pequenos feixes eram uma miragem para os anjos e eu não era digno de suportar a impureza que caía sobre mim. Então embebi-me de sua resignação em pertencer a si mesma e caímos sobre uma fina garoa, que era uma cortina que cobria o pecado do ato.

As respirações tornaram-se um farfalhar de copas de árvores altíssimas e verdes como seus olhos. Aos poucos as gotas doces de seu ventre escorregavam até mim, já iodificadas pelo suor. Sua face, então, tornou-se um mistério para mim. Olhava o teto e a cada movimento que lembrava um barco sobre um mar agitado, suplicava a Deus numa voz quebradiça e ainda sólida ao mesmo tempo, aguda, capaz de quebrar todos os cristais que açoitavam o que restava de minha sanidade. Minhas unhas adejaram suas nádegas buscando retornarem a vida do formigamento que se alastrava até o cerne de meu peito.

E eu te amei e eu te amo tanto quanto se é possível amar alguém; e eu te quis e eu te quero tanto quanto todas as vezes em que se é possível querer alguém; e eu me mato por você, tantas vezes que forem possíveis salvar você de mim... Seu corpo é uma nota perfeita na partitura da minha existência, você-colcheia é o tempo exato do ritmo da freqüência de meu coração, você é linda como uma gota d'água a tocar um ventre.      

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⏰ Last updated: Aug 24, 2018 ⏰

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