Quase Um Anúncio

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Eduardo quase deixou cair o cigarro no colo enquanto tentava se locomover com a cadeira de rodas pela calçada. A perna precisava ficar esticada então ele não conseguia usar muletas. Ia finalmente conversar com Melinda sobre o que havia decidido. Ela já o esperava no restaurante e o viu pelo vidro. Decidiu que não levantaria para ajudá-lo, simplesmente porque não estava com vontade. Preferiu terminar de se empanturrar com os pãezinhos do couvert.

Ele chegou, ofegante:

- Nossa, eu não nasci pra isso não! Essa cadeira, muito complicada! Não vejo a hora de tirar esse gesso!

- Faz parte! Tudo bem com você?

- Tudo! Você não foi no dia da minha alta, não respondeu minhas mensagens... Na verdade eu até achei que você não viria hoje!

- Estou um pouco cansada, Eduardo, é isso! - ela começou a olhar o cardápio, fingindo estar distraída.

- Eu vou terminar com a Chandelly hoje! Chega né? Eu não quero mais procurar nada, porque eu já te encontrei há muito tempo!

- Unrrum, eu escuto isso há treze anos! - ela continuou folheando, como se procurasse alguma coisa.

Ele segurou a mão dela, fazendo com que ela tirasse os olhos do cardápio. Depois tirou uma caixa do bolso do casaco. Não era assim que ele tinha imaginado pedi-la em casamento, mas era isso ou ela fugiria para sempre. Ele estava decidido a nunca mais perdê-la. Ela largou o cardápio na mesa, como se não acreditasse. Ele abriu a caixa e lá estava: o anel da família. Agora seria de Melinda. Ele não disse nada, não havia preparado nada. E ela, ficou parada olhando aquele diamante enorme esperando ele dizer que era brincadeira e que, claramente aquele anel era da Chandelly. Ele finalmente ensaiou dizer alguma coisa, mas a voz saiu baixinha:

- Eu nunca mais, nunca mais vou deixar você ir! Eu sei que eu sou um monte de lixo, que eu bebo, que eu tenho minhas recaídas... mas eu nunca gostei tanto de alguém como eu gosto de você. Nunca alguém me fez querer mudar e ser uma pessoa melhor como você. Eu te amo desde o dia que eu coloquei os olhos em você na praia, mas tentei procurar esse mesmo amor em um monte de gente que nunca me trouxe nada! E eu não sei porquê...

Ela estava se esforçando pra não chorar, esperou por aquilo a vida toda. Ele continuou falando:

- Eu nunca quis te pedir em casamento todo cagado numa cadeira de rodas, nem num restaurante como esse que serve batata-frita!

- Mas eu amo batata-frita!

- Que seja! - ele riu e suspirou, tirando o anel da caixa - Você aceita ficar comigo pra sempre? Você aceita... ai que horror, isso é tão ridículo...você aceita casar comigo ou não?

- Eu acho que vou ter que aceitar! Mas ainda assim eu quero uma porção de fritas! - ela esticou a mão para ele pôr o anel.

- Ficou um pouco grande! Mas não dá nada, depois a gente manda ajeitar! Finalmente, hein? Nossa, eu achei que fosse fazer xixi na calça! Na televisão parece muito fácil! Saindo daqui eu vou falar com a Chandelly e é isso, eu só espero que ela não queira me matar ou algo assim...

- Ela vai entender, ela é uma ótima pessoa!

- Ela é sim, ela merece alguém legal! Não que eu não seja legal, eu só nunca fui apaixonado por ela...

- A gente pode se beijar em público agora que vamos casar?

- Eu acho que sim!

Ela se levantou para se aproximar dele e se abaixou para beijá-lo, quase como da primeira vez na praia.

- Eu ainda te acho muito especial!

- Eu sei!

O garçon chegou atrapalhando o momento fofinho:

- Vocês já querem pedir?

- Sim sim!

- Ah eu ainda não escolhi nada, você tem um vinho pra gente abrir enquanto eu escolho?

- Tenho sim, senhor!

- Não interessa o que vamos pedir, tem que vir batata-frita, viu?

- A gente vai ter que fazer isso de novo num restaurante caro, eu to me sentindo meio bosta... - Eduardo continuou folheando o cardápio - ok, quero o risoto!

- E pra senhora?

- Pode ser o filé, mas mal passado! Não esqueça das batatas-fritas!

- É sério isso?

- Logico que é!

- Nem casamos e você já gosta de me humilhar... - ele se esticou para trás na cadeira.

Ela riu e olhou novamente pro anel. Nem acreditava que aquilo estava acontecendo mesmo. Contando com Chandelly, Melinda viu Eduardo namorar oito garotas nos últimos treze anos. Todas deram errado por diversos motivos. Às vezes ele simplesmente enjoava da pessoa, pegava o carro e descia para a praia onde ficava recluso por dias. Outra vez eles acharam que tudo bem aparecerem drogados na casa da mãe dele. Quando ele viu a burrada que tinha feito começou a gritar com ela na calçada. Ela estava tão louca que enfiou as unhas no rosto dele, e a gritaria foi tanta que toda a vizinhança foi para fora ver o que tinha acontecido. Acabou batendo na porta de Melinda, morrendo de vergonha.

Com Chandelly ele não conseguia ser essa pessoa tão ruim, na verdade ele até tinha melhorado bastante com ela, voltado a trabalhar e estava limpo. Ela era uma boa moça, talvez até certinha demais, e o colocava na linha. Quase parecia que Chandelly e Melinda se completavam, mas o coração não batia nem metade quando estava com Chandelly. Amor é amor. Ficava triste de ter de terminar com uma garota tão legal, mas ele não queria mais se enganar e nem enganar as pessoas a sua volta. Ver Melinda feliz o fazia feliz e nada mais importava. Como ele amava aquela garota! Desde o primeiro beijo desajeitado na praia, passando pela vez que ela comprou um sutiã de aro, e achou que tudo bem levantar a camiseta e mostrar pra ele: "Você acha que meu peito ficou muito exagerado? Seja sincero!"

Teve o dia da queda de skate, que fez Eduardo perder mais da metade da visão do olho direito. Foi a primeira vez que Melinda o viu chorar. Estavam juntos no dia que ela foi aprovada no vestibular e também foi neste dia que tomaram o primeiro porre. Tantas, tantas coisas fizeram "por primeiro" juntos, que ele ficou furioso por ele não ser "o primeiro" dela. Ele também lembrava desse dia com clareza, estavam jogando vídeo-game e ela contou suas peripécias do ultimo fim-de-semana:

- Como assim você, você o que?

- Aconteceu ué... sei lá, achei legal!

- Nossa, sai já da minha casa!

- Eu não, sua mãe me convidou pra jantar!

- Eu não vou deixar você comer nenhum pedaço!

- Ah você tem ciúmes?

- Por que não foi comigo?

- Eu não sabia que a gente tinha um contrato de primeiro beijo e primeiro sexo!

- Você pode por favor não falar esse tipo de indecência na minha casa?

- Nossa, ok, me desculpa! Presta atenção senão o seu bonequinho vai perder!

Ele ficou emburrado por semanas depois disso.

Agora estavam ali, anos depois, com ela usando o anel da família. Queria ter feito isso antes, e se sentiu burro de ter deixado ela escapar por tanto tempo. Nunca mais a deixaria ir embora. Nunca mais. E que ela poderia comer todas as batatinhas que quisesse.

O Guia Prático Para Adultos Sem PráticaWhere stories live. Discover now