Capítulo 2

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Quando o ônibus escolar parou na frente de casa, saltei apressadamente e corri pelo caminho gramado que dava acesso à porta. Eu já estava revoltada por termos de usar o transporte escolar, já que meus pais decidiram que, enquanto não estivesse adaptada ao caminho da escola e ao trânsito, seria melhor que usufruíssemos desse benefício por alguns dias. Entrei em casa como um tufão e tentei seguir para o meu quarto antes que minha mãe chamasse.- Rain? Não bastasse meu nome ser altamente estranho, minha mãe ainda insistia em uma redução mais esquisita ainda. - Sim, mãe? Parei no meio das escadas. - Venha aqui, florzinha. Larguei a mochila no degrau e segui em direção à cozinha. Minha mãe estava fazendo um bolo cheiroso de baunilha. Cheguei perto e dei-lhe um beijo estalado na bochecha. - Oi, mãe. - Me diga como foi na escola - ela perguntou e continuou batendo a massa sem nem ao menos olhar para mim. Ainda bem, porque eu estava revirando os olhos naquele momento. - Foi tudo okay. Minha mãe parou o que estava fazendo e olhou atentamente para mim. - Okay? Sentei na cadeira mais próxima e bufei. - Ah, mãe. Você sabe como são as pessoas quando alunos novos chegam... - falei e abaixei a cabeça nos braços. - Ainda mais com pessoas esquisitas. - O que você disse? Eu sabia que ela tinha ouvido. Aquele tom de voz era muito fácil de ler. - Nada. - Tudo. A guerra de palavras iria começar. - Mãe... - Rain... - Okay, foi horrível, mãe. O professor logo da primeira aula me fez falar diante dos alunos, nas outras aulas que se seguiram eu pude ouvir os risinhos e chacotas por conta do meu nome; enfim... esse tipo de coisa supernormal que já me acompanha há dezessete anos. Ouvi o cessar da batedeira e percebi que minha mãe estava bem à minha frente, na mesa. Sua mão tocou delicadamente minha cabeça e acariciou meus cabelos. - Tão ruim assim? - Yeap. O sorriso que minha mãe dava em momentos como este era único. Em seus olhos, eu conseguia ler o pesar por nos fazer passar por aquele tormento de tempos em tempos. - Sinto muito, filha. Levantei da cadeira e a abracei, quase colocando meu queixo sobre sua cabeça, já era mais baixa que eu. - Eu sei, mãe. Eu aguento. Sempre aguentei. - Mas você bem que podia fazer como sua irmã, Rain - ela disse e passou a mão suavemente em meu rosto. - Ignorar tudo isso e apenas se divertir. - Eu não tenho tempo para me divertir, mãe - falei resoluta. - Sunshine pode curtir a vida porque ainda é caloura, eu não. - Você sempre foi tão séria, filha. Suspirei audivelmente.Eu nasci assim. - Mas não foi gerada assim - ela disse e me sacudiu. - Meus filhos deveriam ser espíritos livres e viver em harmonia com o ambiente, com a natureza. Segurei o riso. A filosofia dos meus pais era absolutamente engraçada. Por acaso eu já disse que meus pais são hippies? Ainda? Que aquela mesma onda de quando fomos gerados nunca deixou de existir? É isso aí. - Eu sei. Mas o universo conspirou contra vocês e deu uma filha supercentrada e cheia de preocupações.Ela bateu no meu traseiro. - Vá tomar seu banho e desça para o lanche. - Onde está todo mundo? - perguntei antes de roubar uma rosquinha da vasilha mais próxima. - Sunny está na casa da vizinha. Já fez uma amiga - ela disse e voltou para os seus afazeres com o bolo -, Torm está no treino de futebol. Era isso. O resumo da minha vida. Meus irmãos se divertiam enquanto eu me concentrava em ser a perfeita do lar.Saí em disparada para o meu quarto e pude me refugiar naquele que era o local onde me sentia mais segura. Minhas coisas refletiam exatamente quem eu era. Nada de pôsteres de ídolos teens colados nas paredes. Apenas livros e mais livros. Nenhum bichinho de pelúcia ou bonecas. Nós nunca tínhamos tempo de fazer as malas adequadamente, então quanto menos coisas tivéssemos, melhor. Eu não poderia dizer quanto tempo permaneceríamos naquela cidade. Esperava que ao menos meus pais pensassem um pouco em nós e nos deixassem terminar o Ensino Médio. Eu estava no último ano, e faltava tão pouco para me formar... Milagres podiam acontecer, certo? Tomei banho e rapidamente fiz minhas anotações sobre o dever que eu precisaria entregar, antes de descer para acompanhar a balbúrdia da cozinha. - Eu disse! Eu disse que entraria no lugar do capitão do time assim que o técnico vislumbrasse meus músculos poderosos... - Storm disse, se gabando. - Você só pode ter chantageado o professor... - Sunshine respondeu e gritou quando meu irmão lhe deu uma gravata. - Mas aqui está a pergunta que não quer calar... você realmente conseguiu o posto de capitão do time? - Claro que não. Ainda sou calouro. - Ouvi Storm retrucar, cheio de marra. - Mas é apenas questão de tempo. Quando o quarterback se formar, eu estarei ali... pronto para usurpar o lugar... - Parem com isso! Vamos respeitar o alimento que está em nossa mesa. - Mas, mãeeee... é só um bolo - Storm disse revoltado. - Não interessa - ela ralhou. - A hora do lanche é sagrada. Rainbow!!! O grito foi desnecessário. Eu estava bem ali.- Oh! Você está aí, querida - minha mãe disse alegremente. - Vamos todos nos sentar. - Cadê o pai? - perguntei. - Está cuidando das flores que foram maltratadas no jardim. As pessoas que moravam nesta casa antes de nós eram cruéis e desumanas. Segurei o riso e observei meus irmãos revirando os olhos. A forma como minha mãe falava podia dar a entender que um crime hediondo havia ocorrido ali. - Rain, como foi na aula? - Sunshine me perguntou.- A mesma coisa de sempre, Sunny. E com você? - perguntei, embora já soubesse a resposta. - Ma-ra-vi-lho-so - ela respondeu e abocanhou o bolo. - Conheci um monte de colegas e tem uns meninos lindos na sala. Que novidade Sunshine ter reparado apenas naqueles detalhes ao longo do dia! - Você está falando de boca cheia, sabe disso, né?! - perguntei o óbvio. - Aham. - E já ensinei que não devemos falar com a boca cheia, Sunny - minha mãe ralhou com ela.Se ela pudesse, tenho certeza de que mostraria a língua para mim. O que seria nojento, dadas as circunstâncias. - Eu joguei muito - Storm disse em sua tão característica falta de modéstia. - Que ótimo, filho. - Storm... quando você não joga bem, seu burro? - Sunny provocou, mostrando os músculos de seus bíceps. Antes que ele pegasse um pedaço de bolo e arremessasse em nossa irmã, meu pai entrou pela porta dos fundos.- Certo, crianças. Aquelas flores lindas não estão mais na UTI. Estão se recuperando bem - ele disse e deu um beijinho na testa de nossa mãe. - E ainda vou criar um espaço para nossas plantações livres de agrotóxicos. - Que bom, pai. - Maravilhoso, pai. - Estupendo, pai. Ele parou no centro da cozinha e nos lançou um olhar extremamente indagador. - Vocês estão me zoando? Começamos a rir.- Claro que não, pai. - Limpei as migalhas do bolo em um guardanapo. Levantei e cheguei até ele, dando um abraço apertado naquele esquisitão. - Você é lindo, pai. - Irrrcccc... - Storm fez som de nojo. - Que coisa mais melosa. Homens não são lindos, Rain. São fortes e másculos.Todos demos risadas e seguiu-se assim mais um dia em minha vida . Aquele era apenas o primeiro dia dos muitos que viriam. Mas era bom que, ao menos em casa, eu podia ter a sensação de familiaridade de que tanto necessitava.

Rainbow Where stories live. Discover now