4 | A História do Homem Calvo

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Acenei a cabeça para mostrar minha concordância.

"Ótimo! Ótimo!" disse ele. "Posso lhe oferecer um copo de Chianti, Miss Morstan? Ou de Tokay? Não tenho nenhum outro vinho. Devo abrir uma garrafa? Não? Bem, nesse caso espero que não faça objeção ao fumo, ao perfume balsâmico do tabaco oriental. Estou um pouco nervoso e considero meu narguilé um sedativo inestimável."

Aproximou uma vela do grande fornilho, e a fumaça borbulhou alegremente através da água de rosas. Sentamo-nos os três num semicírculo, as cabeças esticadas para a frente e os queixos sobre as mãos, enquanto o estranho homenzinho careteiro, com sua cabeça pontuda e reluzente, fumava às baforadas no centro, constrangidamente.

"Quando decidi lhe fazer esta comunicação", disse ele, "poderia ter lhe dado meu endereço; mas temi que pudesse desconsiderar meu pedido e trazer pessoas desagradáveis consigo. Assim, tomei a liberdade de marcar um encontro de tal modo que meu criado Williams pudesse vê-los primeiro. Tenho total confiança na capacidade de discernimento dele, e ele tinha ordens, se ficasse insatisfeito, de não levar as coisas adiante. Vão me perdoar essas precauções, mas sou um homem de gostos um tanto retraídos, posso até dizer refinados, e não há nada mais inestético que um policial. Tenho uma aversão natural por todas as formas de materialismo rude, raramente entro em contato com a multidão grosseira. Vivo, como veem, com uma atmosferazinha de elegância à minha volta. Posso me intitular um protetor das artes. É a minha fraqueza. A paisagem é um Corot genuíno e, embora um connaisseur possa talvez lançar uma dúvida sobre aquele Salvator Rosa, não pode haver a menor questão acerca do Bouguereau. Sou apreciador da escola francesa moderna."

"Vai me perdoar, Mr. Sholto", disse Miss Morstan, "mas estou aqui a seu pedido para ser informada de alguma coisa que deseja me contar. É muito tarde e eu gostaria que a entrevista fosse o mais breve possível."

"Na melhor das hipóteses ela deve demandar algum tempo", respondeu ele; "pois certamente teremos de ir a Norwood para ver o irmão Bartholomew. Iremos todos, para ver se conseguimos levar a melhor. Ele está muito zangado comigo por ter tomado o caminho que me pareceu correto. Tive uma discussão acalorada com ele ontem à noite. Não pode imaginar que sujeito terrível é quando está irritado."

"Se temos de ir a Norwood, talvez fosse melhor partir imediatamente", aventurei-me a observar.

Ele riu até ficar com as orelhas vermelhas.

"Não pode ser", exclamou. "Não sei o que ele diria se os levasse assim de repente. Não, preciso prepará-los mostrando-lhes o pé em que estamos um em relação ao outro. Em primeiro lugar, devo lhes dizer que há vários pontos da história que eu mesmo ignoro. Só posso lhes apresentar os fatos na medida em que os conheço.

"Meu pai era, como talvez tenham adivinhado, o major John Sholto, ex-membro do Exército indiano. Ele se reformou há cerca de onze anos e veio morar em Pondicherry Lodge em Upper Norwood. Havia prosperado na Índia e trouxe consigo considerável soma de dinheiro, uma vasta coleção de curiosidades valiosas e vários criados nativos. Com essas vantagens, comprou uma casa e viveu em grande luxo. Meu irmão gêmeo Bartholomew e eu éramos seus únicos filhos.

"Lembro-me muito bem da sensação causada pelo desaparecimento do capitão Morstan. Lemos os detalhes nos jornais e, sabendo que ele fora amigo de nosso pai, discutimos o caso livremente na presença dele. Este costumava tomar parte de nossas especulações sobre o que podia ter acontecido. Nunca, nem por um instante, suspeitamos que ele tinha todo o segredo escondido no próprio peito; que, entre todos os homens, era o único a conhecer o destino de Arthur Morstan.

"Sabíamos, porém, que algum mistério, algum perigo real, ameaçava nosso pai. Ele tinha muito medo de sair sozinho, e sempre empregava dois pugilistas para servirem de porteiros em Pondicherry Lodge. Williams, que os conduziu esta noite, era um deles. Foi outrora campeão dos pesos leves da Inglaterra. Nosso pai nunca nos contou o que temia, mas tinha extrema aversão a homens com pernas de pau. Certa feita, chegou de fato a disparar seu revólver num perna de pau, que se provou um inofensivo comerciante em busca de encomendas. Tivemos de pagar uma soma vultosa para silenciar o caso. Meu irmão e eu pensávamos que isso era um mero capricho de meu pai, mas os acontecimentos posteriores nos levaram a mudar de opinião.

O Signo dos Quatro (1890)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora