CAPÍTULO • 10 (Degustação)

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Mas são os olhos dourados que me deixam desconcertada, pois me fitam com muita curiosidade. Será que falei alguma besteira?

— Não sabia que eram tão próximos — comenta, fazendo parecer natural.

— Não somos. Para falar a verdade, nos encontramos quatro vezes, e sempre acabamos discutindo por algum motivo. — Os andares passam sem parar nenhuma vez. Desconfio que ele não saiba como seu jeito de analisar as pessoas é invasivo e confuso, pois o menino é simplesmente um anjo. — Por que diz isso?

— Você o chamou de Vladimir — explica, todo doce.

Ah! Sabia que tinha falado merda.

Repreendo-me mentalmente com todos os palavrões espanhóis e russos inventados pela humanidade. Por sorte, Andrei é educado demais para invadir meu espaço com perguntas sobre o dia do casamento, quando eu e seu irmão quase nos atracamos no meio da festa.

Só de lembrar já sinto meu corpo todo se coçando de constrangimento.

— Você deve ter escutado errado. — Dou de ombros com a melhor cara de paisagem, mas minha boca grande não se dá por satisfeita e continuo com a vergonha alheia: — Tenho certeza que o chamei de senhor presidente.

Andrei solta uma gargalhada gostosa, jogando a cabeça para trás, algo que considero ultrajante. Como advogado, ele precisava entender que fazer isso é quase um crime — tem que ser, não é possível. Sorrindo ele já é um atentado contra os corações femininos, gargalhando se torna uma arma de execução em massa.

— Está argumentando com um advogado? — Ele parece mais feliz do que da última vez que nos vimos. Travo os dentes para não falar mais nenhuma idiotice e me limito a negar. — Estamos chegando, vou descer no andar dos escritórios, pode subir até o da presidência. Boa sorte!

— Vou precisar?

— Bem, você disse que está atrasada, isso já é suficiente para merecer ao menos a minha piedade. — Paramos e as portas voltam a se abrir. Andrei coloca a mão entre as duas para nos segurar por um momento. — Vladimir é uma boa pessoa, mas os problemas com o clube e a pressão dos investidores acabaram abalando os nossos negócios, e meu irmão respira por essa empresa. É a vida dele. Pode parecer superficial...

— Não é superficial — interrompo-o. — A vida nunca é superficial, não importa por quais motivos uma pessoa escolha viver. — A sombra de um pensamento lastimoso cruza as linhas expressivas de Andrei. — Eu realmente não sabia sobre a casa, sabe? Nem que estavam me procurando. E eu juro que não fazia ideia de quem eram vocês quando aceitei trabalhar no casamento do seu irmão. No fundo, bem lá no fundo, não sou tão maluca como pareceu naquele dia. Ou talvez eu seja, mas não faço por maldade, é mais forte do eu. Peça desculpas à sua mãe por mim, ela deve me odiar por ter estragado a cerimônia.

— Serena — ele diz, sem minúcias formais, e afasta a mão que impede o elevador de seguir seu percurso. — Você não estragou o casamento. E, acredite, minha mãe definitivamente não odeia você.

Antes que eu tenha a chance de falar qualquer outra coisa, o elevador se fecha e volta a subir. Em poucos segundos, meus saltos afundam no carpete acinzentado que recobre o chão no ponto mais alto do edifício. As cortinas fechadas atrás da enorme mesa presidencial escurecem o ambiente e tornam a atmosfera mais pesada.

O andar é composto por dois cômodos divididos por paredes de vidro negro, as portas abertas revelam uma sala de reuniões no lado direito. Todos os detalhes se perdem assim que Vladimir ergue o queixo e me paralisa com seu olhar penetrante. É hoje que eu caio morta na frente desse homem.

— Foque na reunião, sua idiota — sussurro bem baixinho para que ele não escute. Depois me aproximo, falando mais alto: — Desculpe pelo atraso.

Parada na frente da mesa, com a bolsa balançando no meu ombro direito e a certeza de que a gente não consegue disfarçar o interesse um no outro, admiro Vladimir em seu habitat natural.

Entre Acasos e Destinos | LIVRO 2 | DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now