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Estava sentado na quadra, fingindo prestar atenção no jogo, mas meus olhos estavam presos à arquibancada, onde ela estava distraída com um caderno que reconheci de longe: o caderno que ela protegia com todas as forças. Aquele caderno, distante e escuro, era como a própria dona; não era um diário, pois com frequência eu a via abri-lo na minha frente, mas do mesmo jeito, seu conteúdo era um mistério.

Um mistério que eu morria de vontade de desvendar.

Nunca gostei de ler por falta de paciência, mas leria com prazer cada página escrita por ela a mão. Seria como entrar em sua mente confusa; então enfim entenderia o que ela tinha em seus pensamentos. Seria um alívio encontrar alguma explicação, pois a minha mente não conseguia elucidar os meus sentimentos.

Jessica levantou a cabeça e olhou em sua volta; parecia tão solitária e indefesa. Como gostaria de ser aquele a protegê-la – aquela que permaneceria ao seu lado todo o tempo. Olhando de um lado para o outro, parecia procurar alguém, mas não encontrou.

Raridade.

Jess nunca estava sozinha, não quando eu queria.

Ela olhou em minha direção. Droga. Mais uma vez eu a estava olhando. Mesmo de longe, enxergava os olhos dela e sabia que ela via os meus. No que ela estaria pensando? Queria ler seus pensamentos, saber o que estava sentindo... Se se sentia do mesmo jeito que eu.

Aquilo no rosto dela era um sorriso?

Não sabia dizer; ela poderia estar com sua costumeira expressão vazia e eu acreditaria que me olhava apaixonada se alguém assim o dissesse. Jess acenou para mim, em seguida fazendo, com as mãos, o desenho de um coração; o meu acelerou, descompassado. Realmente quer ser o dono de seu coração.

O meu ritmo cardíaco fez meu rosto arder e corar. Foi uma das únicas vezes em que agradeci por não estar perto de Jessica. Será que ela conseguia ver o vermelho do meu rosto? Queria que enxergasse através de mim e visse o vermelho do meu coração; queria que ela sentisse meu corpo tremer e ouvisse minha respiração sem ritmo. Queria ela nos meus braços. Mas ela estava tão longe...

Suspirei e me levantei sem saber o que fazer. Eu a queria tanto, mas não sabia mostrar. Na verdade, sequer podia, não com a real intensidade, não naquele momento. De alguma forma, sabia que um dia seria apenas eu e ela, só precisava aguardar o momento exato. Enquanto ele não chegava, era o suficiente manter-me presente em sua vida.

Aquela era minha intenção quando me levantei; iria me aproximar e conversar. Estava decidido, mas ao vê-lo se aproximar de Jess toda minha vontade se perdeu. Eu a vi se levantar quando ele se postou na sua frente. Ele a abraçou, ela retribuiu e meu coração parou de bater. Não era a primeira vez que os via assim, agarrados, afinal, eram namorados. No entanto, meu peito não se acostumava com a dor. Não era como se eu chorasse ou algo do tipo; era apenas um sentimento horrível de inveja misturado com angústia.

Várias vezes me afastei de Jess pela presença dele. Não odiava Bruno como todos pensavam; apenas não era forte o suficiente para sorrir quando morria por dentro. A única coisa que sentia por aquele garoto era indiferença. A inveja que me corria o sangue era proveniente do desejo de ser o dono dos lábios que Jessica beijava; dos olhos que ela olhava; das mãos que ela segurava; dos braços que a abraçavam, os quais tinham um único dono: Bruno.

Sentei-me novamente, encostando as costas na parede da quadra, onde também encostei minha cabeça. De olhos fechados, imagens corriam na minha mente. Minhas fantasias. Agarrei-me a uma delas para manter a esperança de que um dia Jessica seria minha.

— ∞ —

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