O culto à selfie

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Sou um dos precursores da selfie. Pelo menos, no meu mundinho restrito, fui um dos primeiros entre meus amigos a começar a praticar tal besteira. Claro, que isso foi há muito tempo, quando era preciso comprar filme fotográfico para a máquina e não dava para ver como ficou até que ele fosse revelado. Algumas vezes tirar e revelar a foto levava tanto tempo que eu já nem lembrava mais quem eram as pessoas na imagem. Nessa época, aliás, era preciso muita habilidade para (dançar créu) fazer uma boa selfie, já que as câmeras não tinham visualização e era na base da sorte mesmo. Pessoas de cabeça muito grande ou braços muito curtos enfrentavam sérios problemas.

Mas isso foi há muito tempo, quando o São Paulo era um time respeitado e o É o Tchan era o maior sucesso nacional na música, ainda com o nome de Gera Samba. Mas depois da virada do ano 2000, com a chegada das máquinas digitais, a coisa foi mudando de figura e tirar selfie virou mais do que um hábito bobo, que costumávamos fazer em um ou duas fotos a cada filme de 12, 24 ou 36 poses, já que depois teríamos de pagar para revelar e não era conveniente (ou mesmo inteligente) ficar queimando dinheiro para ver a própria cara, algo que fazíamos gratuitamente no espelho.

E se no início a prática ainda era tímida, até por conta das limitações tecnológicas (as primeiras câmeras digitais salvavam as fotos em disquetes de 1,44 mb, o que equivale à metade do tamanho de uma boa foto feita num celular de última geração hoje, por exemplo), logo se popularizou e chegou ao seu ápice com as redes sociais, primeiro com o finado Orkut (que descanse em paz), depois com o Facebook, Instagram, Snapchat e provavelmente outras tantas que eu não sou jovem ou moderno o suficiente para conhecer. Mas a questão não é essa, a pergunta que não quer calar é quem são os "selfiólogos" (essa palavra nem existe), como vivem, do que se alimentam?

Bom, o que sei é que eles estão entre nós, na verdade, em alguns (ou muitos) momentos eles "são nós". Claro, quem nunca se pegou fazendo selfies (eu faço isso toda semana para a coluna) para postar com aquela "hashtag" maneira, que a maioria nem sabe para que serve? É um mal dessas facilidades tecnológicas, pegar o celular, apertar o botão e se ver. Quem precisa de espelho?

Quanto a como vivem e do que se alimentam, essa é fácil: de likes, curtidas, comentários. Isso porque o ser humano é vaidoso e as redes sociais deram a possibilidade de todos conquistarem os seus 15 minutos de fama, mesmo que isso não seja pelo seu talento, trabalho, obra artística, não, basta apenas saber tirar belas fotos de si mesmo. E não se iluda, na maior parte do tempo, mesmo sem perceber, julgamos as pessoas por sua aparência, por exemplo, em casos como o do "mendigo gato" – o cara chamou a atenção e sua situação repercutiu, a ponto de rolar uma campanha para tirá-lo das ruas, apenas porque ele tinha belos traços. Tá, como se o fato de uma pessoa em situação de rua não merecesse nossa solidariedade só por ser feia

Mas voltando às selfies, é preocupante a importância que a atual geração dá à pratica. Como disse lá no início, antigamente fazíamos isso de bobeira, de vez em quando, mas hoje já é considerado vício, morrem mais pessoas tentando a "selfie perfeita" do que em ataques de tubarão, por exemplo, e o número cresce a cada ano. É um vício moderno, já reconhecido por um estudo como distúrbio mental e batizado de selfitis, que pode alimentar outros problemas como depressão, ansiedade, baixa autoestima, e que não pode ser ignorado.

No fim, o que impressiona mesmo é que com tanta facilidade para nos vermos atualmente, parece que cada vez menos enxergamos os outros e que, a qualquer momento, vamos perceber que "nos deram espelhos e vimos um mundo doente". 

O culto à selfieWhere stories live. Discover now