CAPÍTULO • 07 (Degustação)

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É alguma coisa no jeito dela, na autenticidade ao manifestar seus pensamentos, sem barreiras, sem máscaras, com uma evidente falta de autopreservação que despertou em mim algum instinto benevolente que não faz parte da minha personalidade.

Isso sem falar na beleza exótica e o sotaque melódico. Mesmo conseguindo pronunciar um russo perfeito, o final de algumas palavras soa cantante, mais veloz e... droga! Estou fazendo de novo. Apenas pare de pensar na mulher!

— Não foi uma boa ideia começarmos a construção antes de adquirirmos o terreno — pondera o caçula. Recosta-se na cadeira e cruza os braços, focalizando seus olhos caramelos no tapete de tecelagem persa que dá vida ao cômodo com padrões de linhas vermelhas.

— Só para constar, as obras estão indo muito bem — murmura Roman, gemendo enquanto massageia as têmporas. — Se o terreno daquela casa não fosse tão grande, poderíamos reformular a planta original. O problema real são os dois galpões no fundo da propriedade. Precisamos que venham abaixo antes do próximo mês, ou terei que suspender os trabalhos. A sorte de vocês é que eu sou um ótimo engenheiro.

Roman é realmente o melhor, ninguém pode discordar. Um irresponsável impaciente que não consegue ficar mais do que duas horas preso em uma reunião sem começar uma briga com alguém? Correto. Mas, como chefe de operações e nosso engenheiro-chefe, não poderia haver outro mais eficiente. É ele quem faz a empresa se movimentar, as engrenagens da corporação.

Algumas vezes me pergunto se Nicolai teria cometido tantos erros se tivesse alguém como Roman ao seu lado.

— Além disso — continua Andrei, concentrado em suas anotações enquanto balança um copo de vodca com gelo na mão livre; isso é novidade, ele não costuma beber em serviço — Camillo Fajardo saiu do país há algumas semanas, com destino à Madri, o que limita ainda mais nossas chances de localizar a irmã dele.

— E a mulher com a criança? — pergunto, relembrando dos olhinhos pretos e muito redondos da filha de Camillo, que também têm rodeado a minha mente.

As condições de vida naquela residência não são apenas precárias, mas perigosas também. Não seria sábio arrancar a mulher da casa com um bebê de colo sem termos certeza de que conseguiriam se manter — e a resposta é bastante óbvia, a meu ver.

— Continuam na casa. — Andrei comprime os lábios. A julgar pela expressão séria e as narinas infladas, desconfio que também não aprove a maneira como cuidam da menina. — Mas a mãe se recusa a conversar conosco e, se a denunciássemos, ela perderia a guarda da filha.

Porque é uma viciada, dizem os olhos do meu irmão, cheios de muito pesar e preocupação. Andrei não faria algo como separar as duas levianamente. Mas não me importo a mínima se essa for nossa única alternativa quando conseguirmos o terreno.

Na verdade, ficaria muito feliz de arrancar a criança das garras daqueles dois irresponsáveis, e meu irmão deve saber disso.

— Camillo provavelmente está fugindo. — Sirvo meu copo vazio com uma garrafa pela metade que divide espaço entre nossas anotações. Os três já estão cientes dos eventos ocorridos no meu último encontro com Camillo, incluindo a dívida e as chances de Serena Fajardo não saber sobre nossa oferta.

— Que tipo de pessoa recusa dinheiro em uma situação dessas? — Ivan me olha com a expressão confusa, mas quem responde é Roman.

— O tipo que tem medo de morrer. — Ele se senta devagar e passa a mão sobre o cabelo, expondo uma pequena parte das suas tatuagens ao erguer as mangas do casaco de couro preto, cheio de metais. A vestimenta contrasta com a camisa social branca que usa por baixo, mas tudo em Roman é sempre desequilibrado. O submundo criminoso daquelas pessoas tem suas próprias regras, irmão. Os moradores foram contra as obras desde o começo, então faz sentido que estejam com medo de se envolver com a gente.

Entre Acasos e Destinos | LIVRO 2 | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora