Idealizado

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Não pude ver teus olhos tristes quando fostes embora, talvez nem fosses triste. Talvez, a consequência da minha presença é que deixava teus olhos daquele jeito.

De súbito, em uma tarde no final da semana, talvez antes, talvez quando fui grosseiro, quis pular as etapas românticas e ir direto para o meu desejo de ter o corpo dela junto ao meu. Ela desaparece. Não posso pôr a culpa no desejo, o desejo era o que menos me incomodava. Me incomodava o fato de amar. Estar perdidamente apaixonado e não conseguir dizer. Incomodava-me o fato de que tinha medo dela conhecer meus sentimentos. Tinha medo de me sentir frágil, perto dela, pois, aparentemente, era ela quem precisava de cuidados, apenas aparentemente. E eu, sempre mantive minha postura firme e indiferente a qualquer coisa. Impávido Colosso.

A tarde era de um calor infernal, mas o inferno estava dentro de mim. O fogo queimando era a paixão que achei que nunca iria sentir. No momento menos apropriado, o momento da perda. O pior dos clichês, clichê que é algo que tanto abomino: "Só se dá valor quando se perde". Eu sempre a dei valor, o fato de perde-la, não faz com que o valor que ela tinha aumentasse, ou criasse um valor, como dá a entender na premissa. Eu só... só deveria saber que ela não é tão frágil quanto eu pensava, que ela era muito forte e eu é que não tinha condições de guiar ninguém. Deveria ter demonstrado mais o valor que ela tinha pra mim. Deveria ter me posto na posição de alguém que precisa de cuidados e não de cuidador, o que no fundo era de fato. — A vida te fará mais forte, mais forte do que você é. Mais forte do que qualquer pessoa pode ser. Eu sempre ressaltei seu potencial. Seria estupidez repetir tudo que já foi dito. — penso, quase em voz alta. Seria mais propício ressaltar o teu conhecimento e inteligência. Capacidade é algo que não vale de merda nenhuma se você não sabe direcionar. Eu sei que você sabe. Ou, vai saber quando tiver de saber.

Escrevo sua carta, enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto. As mãos trêmulas, mal conseguem escrever. É tudo um rabisco, letras tremidas que talvez você nem entenda. Mas se entender, se entender apenas o gesto e não as palavras, eu me sentirei realizado. Terei alcançado o objetivo de mostrar o quão notável e importante você foi para mim. E marcante. Lembra-te daquele dia? Aquela noite? Tenho certeza que foi o melhor dia da minha vida. O dia mais feliz na circunstância mais triste. Eu fiz as maiores burradas, as piores escolhas, mas nada disso me importou, pois eu estava com você. Te falei coisas em que não acredito. Só queria te ver bem. Sexo, naquele momento era o mais alto nível de intimidade que me parecia ser possível atingir. No entanto, ao deitar a cabeça no travesseiro, naquela mesma noite, sabia ter cometido o erro. Não pelo fato de não ter chegado à transa, mas por ter perdido uma oportunidade única de ficar do seu lado. Te abraçar. Te beijar. Estar com você era tudo que eu precisava e não percebi. Ou meu inconsciente soubesse disso e ignorou. A lembrança boa ficou para mim. Pode ser que você tenha se esquecido do nosso momento. Eu agi como um idiota, mas foi um idiota apaixonado diferente dos momentos que antecederam nosso encontro, momentos em que fui apenas idiota. Resolveu me dar adeus da pior forma possível. Ou fui eu quem me despedi. Não éramos hipócritas um com o outro. Mas resolveu ser quando decidiu partir. Resolveu ser hipócrita no único momento em que não deveria ter sido. Resolveu machucar. E machucou. Por vezes eu te machuquei. Quando não quis que você percebesse meus sentimentos, eu te machuquei. Quando por suas escolhas, eu me irritava, te machuquei. Como um garoto mimado que não consegue o que quer, te machuquei. Realmente, era sua vez de me dar o troco, você teve todo o direito de fazer o que fez, da forma que fez. Pois, eu mereci. Eu mereço tudo que há de ruim. Mereço as piores desgraças. Mereço ser o ser mais infeliz no amor. E serei. Como se joga fora um absorvente usado, sujo, as vezes, escondendo-o, enrolando em papel higiênico pra não ser visto, assim fiz com meu amor por você. Por medo ou por fraqueza, agora tanto faz. Ironia do destino, atitudes idênticas esperando resultados diferentes. Tivemos as mesmas atitudes, ditei o que você sentia, porque eu queria que você sentisse aquilo. Você ditou o que eu sentia, talvez não quisesse que eu sentisse aquilo. Fomos adolescentes prepotentes achando saber julgar os sentimentos, como se eles seguissem uma lógica. Como se os sentimentos fossem diferentes. As pessoas sim, essas são diferentes em sua essência, mas os sentimentos são os mesmos, só muda o modo como lida com eles. A raiva em mim é a mesma raiva que há em você. Você pode sentir. Você tem emoções boas. Você pode construir o que quiser, com um pouco de suor e pode destruir o que quiser, com um pouco de sangue. Exceto pelo uso de medicamentos controlados, não vejo outra forma de amortizar os sentimentos. Ninguém é forte o suficiente e qualquer terapeuta, por pior que seja, irá te dizer que você não pode esconde-los. Uma hora virão à tona, com toda força que você não conseguirá impedir. Os sentimentos têm uma força desproporcional se comparado com a gente. São mais fortes do que nós. São mais fortes que qualquer ser humano. Você não me ama. Não que não seja capaz de amar. Apenas não sou bom suficiente para ter o seu amor. Não fiz nada para que eu merecesse que você sentisse algo por mim. Você nunca esteve apaixonada por mim. Não porque você não seja capaz de se apaixonar. Tudo que eu fiz. Toda ação, que tive para com você, foi idiota, cruel e mesquinha. Você vai amar muitos. Vai se apaixonar perdidamente inúmeras vezes. Se você será capaz de segurar isso? Eu não sei. Não é um problema do sentimento. O sentimento não tem culpa de ter como alvo humanos podres que não se esforçam para construir algo belo. Você não deixou todas aquelas pessoas passarem por sua vida por enjoar. Todas as pessoas são enjoativas. Todas as pessoas mudam. E tudo é um completo paradoxo.

Ame!

Depois de passar tanto tempo com as mãos tremendo e o rosto molhado... Acabo de escrever tua carta. A letra não é das mais bonitas e não é que não escrevo mais por falta do que falar. Não escrevo mais, pois nossa história chegou ao fim do caderno. Fim do caderno da nossa história. Mas ainda é o meio ou começo do caderno da tua vida. Poderá escrever sua história como quiser, como sempre quis.

A minha história... escrevi na minha história, a nossa história e nada sobrou para contar. A única coisa que me importa é você. A única coisa que valeu a pena foi aquele dia. E usei as minhas folhas restante para escrever-te. Não há mais páginas para virar...

Não há mais páginas para virar.

IdealizadoWhere stories live. Discover now