Recomece

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Eram sete horas em ponto quando Olívia Ferreira saiu de seu apartamento na periferia da Cidade Cinzenta em direção ao metrô. Seus passos eram ritmados, e seu rabo de cavalo perfeitamente arrumado balançava de um lado para o outro. Como qualquer outra segunda-feira de trabalho, a garota-quase-mulher vestia um blaser de cor cinza, sua saia lápis favorita e saltos baixos. Antes de sair de casa logo cedo, prendia o cabelo, organizava tudo que precisaria para o dia e deixava ração para Sombra, sua fiel escudeira gata manchada que havia sido batizada com esse nome por justamente segui-la por todo canto.

Formada recentemente em Letras esse era seu primeiro emprego "sério". A garota havia se esforçado muito para conseguir se mudar de sua antiga cidade para aquela que era mantenedora dos característicos céus acizentados. Tudo que ela possuía era fruto de seu esforço e Olívia era esperta o suficiente para saber que boas oportunidades não apareciam sempre.

Enquanto olhava para nenhuma direção específica a espera do metrô, este invade seu campo de visão e logo ela já estava se enfiando no meio da multidão de pessoas que seguiam suas vidas apressadas. Antes, a primeira coisa que fazia quando entrava em um vagão era procurar por um lugar vago para que pudesse se sentar. Entretanto nos dias em que se seguiram seu maior desejo era poder ficar apenas flutuando dentro vagão, de forma que não se encostasse em nada e pudesse seguir seu percurso sem criar paranóias quanto a quantidade de bactérias que deveriam existir acumuladas em cada encosto, e quantas doenças poderia acabar por contrair.

Quando chegou ao seu destino final, seguiu para a padaria de esquina que havia na rua de seu serviço e comprou seu desjejum: um sanduíche natural e suco de laranja. Sim, Olívia Ferreira também era intolerante à lactose. Como se já não bastasse ter que tomar milhares de comprimidos antialérgicos, havia também a bendita lactase.

Quando olhou no relógio, se deu conta de que estava alguns minutos atrasada e que havia divagado mais do que o esperado- novamente. Talvez tenha sido por esse motivo que ela nem tenha percebido o sorriso de bom dia que o atendente havia a direcionado. Ou que tenha percebido que aquele moço era completamente diferente daquele que a atendia a tempos.

E enquanto Olívia esperava pelo sinal de pedestres abrir para que esta pudesse atravessar a rua em direção ao seu serviço, esta não tenha se dado conta do quão parecidos eram. Ambos tinham a vida centrada em um ciclo vicioso sem nem se dar conta, afinal estavam focados excessivamente em seus objetivos para notarem qualquer outra coisa ao seu redor. Apressados demais para qualquer outra coisa que não fosse cumprir com o esperado. Mas e as coisas que não se planejam? E como fica tudo aquilo que surge do inesperado?

Verde, Amarelo, Vermelho. Recomece.

Aquele poderia ter sido o momento em que Olívia Ferreira teria encontrado A pessoa. Aquela que mudaria sua vida, que um dia iria trocar a trilha sonora da sua vida que no momento estava mais para "Tédio-Biquini Cavadão" afinal Olívia era sinônimo de monotonia. Poderia ter sido o momento em que a garota-quase-mulher poderia ter encontrado com seu pintor favorito se tivesse sido um pouco mais atenta com para as pessoas ao seu redor. Aquele poderia ter sido O momento.

Qual deles? Não sei dizer. Apenas cabe a mim afirmar que alguma coisa poderia ter sido. Cabia a Olívia decidir, mesmo que de forma inconsciente, se naquele intervalo de quinze segundos de espera ela deveria simplesmente virar a esquina e tomar um novo caminho. Cabia a Olívia muitas coisas. Coisas das quais ela nem sonhava em conhecer. Entretanto quando o intervalo de quinze segundos chegou ao fim, e a garota-quase-mulher seguiu em frente pelo mesmo caminho de sempre, já não tenho mais tanta certeza do que aquele momento poderia ter sido. Talvez um pequeno relapso, algum desvio. E por menor que tenha sido, estava lá. E era real.

Verde, Amarelo, Vermelho. Recomece.

Ou será que não devia?

Como Nascem os IgnorantesDonde viven las historias. Descúbrelo ahora