Capítulo 3

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Quando você espera à beira do desconhecido.

Três

Pierre

Antes de seguir para a casa que Olivier providenciou para mim, resolvo procurar pelo café do qual sou dono. Quando o encontro na estreita avenida principal da cidade, estaciono e sigo para conhecê-lo. Paro por alguns minutos de frente a ele e observo sua fachada e, sinto como se estivesse à beira do desconhecido, ultrapassar aquelas portas de vidro por um momento me trazem um certo medo, o mesmo medo de quando fui lançado ao nada aos dezesseis anos. Concentro-me e afasto o temor para um local recôndito e lembro que é apenas o meu café, é apenas mais uma loja, a última loja.

Construído num espaço bem menor que os outros, ainda assim, ele tem o mesmo charme dos demais, a fachada pintada num tom de verde escuro, vitrais coloridos e um toldo verde mais claro com os dizeres Café Grains. Verde é a cor que escolhi para todas as lojas, era a cor preferida do meu pai.

Na calçada alguns conjuntos de mesas e cadeiras estilo bistrô, são do mesmo modelo que escolhi anos atrás para o terraço da matriz, elas compõem o visual parisiense, mas todas estão vazias. Imagino que seja pelo vento gelado que circula na cidade. Olho para os outros comércios ao redor e vejo que não há nada parecido com ele por aqui. Meu café destoa de todos os outros da rua.

Assim que ultrapasso as portas, vejo que o interior também segue o mesmo padrão de toda a rede. Cada detalhe não passa despercebido por mim, porque cada objeto e pormenor foi escolhido a dedo desde minha primeira loja. O ambiente aquecido e aconchegante, as luzes em pêndulos, o balcão em madeira escura, as paredes em tons quentes, os detalhes da decoração, tudo segue o mesmo modelo que escolhi. Na verdade, essa loja se parece muito com a primeira, quando ainda tínhamos aquele ar intimista e único.

Escolho a mesa mais afastada e finjo ler o cardápio que tenho por completo memorizado em minha mente, até que alguém venha me atender. Ergo a cabeça para observar as pessoas trabalhando, mas não conto mais de três, fico surpreso pela quantidade ser tão baixa, apenas três pessoas dão conta de todo o trabalho? As três mulheres que avistei até agora, conversam com os clientes num tom informal.

Focominha atenção em uma delas, a jovem de cabelos negros e volumosos, com olhos grandese brilhantes que trazem uma vivacidade que poucas vezes vi. Ela conversa com um dos clientes , de maneira aberta e entrosada. Mesmo que se conheçam, ainda assim, não deveria interagir tão casualmente com um cliente no local de trabalho.

Assisto todos os seus movimentos e os sorrisos de um para o outro. Será que são namorados? Não consigo desviar meu olhar deles e a forma como conversam demonstra que ele tem alta estima por essa mulher, e ela não fica atrás, seus olhos sorriem para ele.

Por um momento divago em pensamentos de como seria receber esse mesmo olhar de alguém, como seria se uma mulher pudesse olhar para mim dessa mesma maneira. Pensamento ridículo e fora de propósito, nenhuma mulher jamais olharia assim para mim, jamais. Qualquer mulher que visse o que eu escondo embaixo dessas roupas, sairia aos gritos de perto de mim.

— Chantal! Você tem tempo para conversar depois, não?

Enfim, a loira percebe que sua subordinada está interagindo de maneira pessoal demais com um cliente.

Olho para o homem e vejo ele choramingar para a gerente da loja, mas a tal Chantal finalmente se levanta e recolhe a bandeja saindo da mesa, continuo a observar seus passos e quando percebo, vejo que eles estão guiando-a para mim, ela para na minha frente e não diz nada, mas olha atentamente para meu rosto. Na verdade, ela não está olhando para meu rosto e sim para a cicatriz longa que corta um pedaço dele. A garota percebe que está a tempo demais me estudando e então desvia o olhar, abrindo um sorriso.

SEM CAMINHO (Amazon e Físico no daniassis.com.br)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora