A L I C E

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Mandou uma mensagem para Nique, xingando Paulo Rangel e sua canalhice de deixá-la plantada ali sozinha e que ele nunca encontraria alguém tão maravilhosa em sua vida quanto ela. Sua amiga sequer recebeu a mensagem, mas isso ela já esperava, visto que ela estava em Petrópolis com o namorado, em uma área com pouco sinal. Resignada, começou a andar pelo caminho de pedras, movimentado, com várias pessoas indo e vindo naquela sexta-feira à noite.

A todo custo engoliu a velha amargurada que tentava tomar conta dela ao observar vários casais felizes passando ao seu lado. Ela não era amargurada normalmente, muito pelo contrário. Era alegre, super comunicativa, divertida, engraçada, isso na sua visão, lógico. Mas se nós mesmos não nos valorizarmos, quem o fará, não é mesmo?! Nique concordava, pelo menos. Porém no auge de seus 28 anos, ela já estava ficando preocupada com a sua situação. Quer dizer, ela tentava levar numa boa, sua mãe que vivia lembrando que o tempo estava passando. Ela iria ficar para trás. Mas isso só porque sua mãe havia casado cedo. Sua avó, por outro lado, embora tenha casado cedo também, sempre passava o dedo na garganta e fazia o gesto de "fale com a minha mão " quando a mãe de Emília vinha com esses papos de "idade", "perdendo tempo", "relógio biológico", "ficar pra titia". Sua avó dizia que ela devia aproveitar a vida e não fazer a besteira de casar cedo como elas porque era cilada. Ela morria de rir, mas a verdade é que preferia encontrar alguém logo.

Distraída, parou para observar uma vitrine cheia de livros, muito bem decorada e ficou olhando por muito tempo, lendo cada título na capa dos livros até perceber que o local estava aberto. Olhou ao seu redor e todo o comércio estava fechado. Claro, sexta-feira, quase 10 horas da noite, era de se esperar que tivesse tudo fechado. Todavia, a livraria tinha as luzes ligadas e um pouco de movimento. Não se comparava ao movimento da rua, porque afinal, não é bem um programa normal ir à livraria àquela hora. Mas tinha bastante movimento para o contexto. Emília olhou para a fachada do local e focalizou o nome, "A Livraria Que Nunca Fecha". Aquilo fazia todo sentido. Na verdade não fazia sentido nenhum, mas fazia todo sentido do mundo. Ela amava livros e a perspectiva de uma livraria 24 horas era extremamente empolgante. Era algo que ela nunca havia visto, nem ouvido falar. Muito inusitado. Resolveu entrar, com a curiosidade aguçada e notou um rapaz no caixa, acenando contente para a chegada dela.

- Seja bem-vinda. - Ele sorriu. Sua barba bem aparada e generosa acompanhava o movimento da sua boca. Ele usava um uniforme todo preto e um avental cor de café com leite por cima. Seu braço tinha algumas tatuagens coloridas e de alguma forma ele se encaixava perfeitamente naquela local. - Você já conhece a nossa livraria?

- Não. - Emília respondeu, meio encantada olhando ao redor. Centenas, não, milhares de livros arrumados por dezenas de prateleiras e sofás caramelo espalhados pelo local, em clareiras em meio às prateleiras. O balcão ficava no meio do local, e junto à caixa registradora e um computador antigo, uma máquina de café. Era muito peculiar. Nunca havia visto uma livraria assim.

- Então deixe-me explicar, se você gosta de livros, vai amar a ideia. Conte pros amigos, pros vizinhos, pros sobrinhos e pros passarinhos. - Ele falava com gestos teatrais e Emília tentava acompanhar, indecisa entre achar sensacional ou louco demais. Parecia até que tinha caído no buraco da Alice e tava conversando com o Chapeleiro Maluco. - Nós vivemos de vendas e de doações, então sua ajuda é muito importante. Nossa livraria nunca fecha. Isso mesmo, como informa o letreiro. Sabe quando você está absorto em uma leitura e não consegue colocar o livro de lado, pula a janta, pula a hora de dormir e quando nota passou cinco horas seguidas lendo e são 3 horas da manhã, mas você não pode esperar o dia seguinte pra comprar a continuação daquele livro? - Emília riu, se reconhecendo na situação. - Nós estamos aqui. Pra você que não pode esperar.

- Entendi. Muito interessante. - Ela concordou com um sorriso.

- Não só isso. - Ele continuou prendendo a atenção de mais duas pessoas que entravam na loja. - Aqui você pode ler o que quiser, mesmo que não compre. Estamos sempre prontos para aqueles que não têm recursos financeiros mas que estão abertos ao conhecimento. Estamos disponíveis para suas madrugadas de insônia, quando você não consegue pregar os olhos e gostaria de uma leitura no meio da madrugada. Nós vendemos livros e também emprestamos. Aceitamos livros doados e também doamos. - Ela estava maravilhada, a ideia era tão genial que era simplesmente impossível não querer doar pra ajudar um lugar tão incrível. Enquanto colocava uma nota de vinte reais na caixinha de doações, ainda ouvia o discurso do tatuado. - E se vocês estiverem se sentindo sozinhos, venham tomar um café com pessoas de interesses parecidos com os seus. Aqui vocês estão entre amigos.

Ela sentiu vontade de bater palmas no final da apresentação dele e teria feito isso se mais alguém tivesse se empolgado. Por sorte não o fez, porque após uma breve saudação de agradecimento do rapaz, todo o local voltou ao silêncio com as pessoas lendo seus livros, confortáveis nos sofás, entretidas em mundos imaginários.     

Termina em... P I N G A D O

A Livraria Que Nunca Fecha [CONTO COMPLETO]Where stories live. Discover now