Leviatã

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Tudo começou naquele dia. Aquele dia de merda em que você acorda e todo mundo acha que você é louca. Mas eu não era louca. Eles não viam o que estava logo embaixo dos narizes deles, mas isso não queria dizer que não fosse real.

Afinal de contas, o que é real? O que eu digo ser real para mim, não necessariamente é real para outra pessoa. E só porque não é real para outra pessoa, não quer dizer que eu tenha que abrir mão do que é para mim.

O início foi confuso, nem sei exatamente quando começou ou porque, me senti estranha nesse início. Mas depois gostei. A sensação do certo, aparando as dores e os medos dentro de mim...

Sempre fui uma pessoa muito quieta, uma adolescente que gostava de músicas sobre amores perdidos para a vida e para a morte. Mas sempre tive amigos. Gostávamos de ir ao cinema e fazer um lanche muito gorduroso depois. Minha relação com meus pais era boa, sempre foi.

Então eles apareceram em minha vida. Em um dia em que estava na cama, pensando sobre a dor que havia aparecido em meu peito há alguns meses. Eu acordava e me sentia aérea, cada dia mais distante de mim mesma, sem saber o que estava acontecendo, porque me sentia assim.

Dizia o que sentia para minha mãe e ela me mandava parar de querer chamar atenção, todos já estavam ocupados o suficiente. E a tristeza me preenchia por meus pais não darem a menor importância a como me sentia, a angustia passou a me consumir porque não sabia como parar com o que estava sentindo e não adiantava falar.

As vozes deles me salvaram e passaram a ser meus novos amigos. Eles me diziam o que fazer e me sentia bem com isso.

Parei de sentir aquela dor que me fazia querer gritar até que minha carne se rasgasse ao meio, aquele medo que me fazia buscar um esconderijo, aquela angustia que fazia meu coração afundar no estômago e aquela tristeza que me deixava oca.

Nada. Eu estava bem. Finalmente.

Então por que minha escola ligou para meus pais e eles chegaram trazendo uma ambulância e enfermeiros? Por que me levaram até uma parte mais afastada do hospital com o nome "Ala Psiquiátrica"? Por que diabos eu fiquei de frente a psicólogos e psiquiatras que me olhavam como se eu fosse um tubo de ensaio? Por que dia após dia eu recebia uma tonelada de comprimidos que me deixavam faminta e sonolenta e confundiam minha cabeça?

Ah, certo, essa última pergunta tinha uma resposta que eu sabia. Psicose. Esquizofrenia. Bem, os psiquiatras e psicólogos que me atenderam ainda discutiam sobre isso, mas estavam mais inclinados à uma esquizofrenia.

Idiotas.

Meu histórico era preocupante, disseram. Preocupante por que, se eu finalmente me sentia bem depois de todo esse tempo?

– Magnólia? – o psicólogo me chama, tirando minha atenção dos pensamentos.

– Sim?

– Você parou de falar de repente – informa.

– Ah... Desculpe – me aconchego mais a poltrona a sua frente.

– Eles estão aqui? Os seus... amigos? – questiona com calma.

Eu gosto do rapaz. Luan tem olhos castanhos e cabelos muito ralos, porque passa a máquina quase no zero. Seu sorriso é bonito e doce e sincero, seus ombros são largos e tentei dar em cima dele uma vez. Não deu certo, Luan é gay.

– Não, estamos só eu e você, eles não vêm há um bom tempo – respondo.

– Os enfermeiros me contaram que você tem estado mais comunicativa.

LeviatãWhere stories live. Discover now