36 - A Visita de Marta

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No quarto do hospital, o pequeno Davi está deitado em sua cama. Ao seu lado, sentado em uma poltrona reclinável, dormindo, está Paulo com uma velha revista de atualidades aberta sobre seu colo. Os óculos de leitura de armação imitando tartaruga estão quase caindo de seu rosto. Sua cabeça pende para a esquerda, do lado contrário à cama onde Davi, que também está dormindo.

Davi abre lentamente os olhos e fixa seu olhar em direção à porta de entrada do quarto que estava fechada. Um leve sorriso surge em seu rosto. Paulo, respira mais profundamente e acorda. Dá um leve bocejo e olha para o neto para ver como ele está e fica atordoado ao vê-lo com o olhar fixo para a porta e o sorriso em seu rosto. A revista cai de seu colo suas mãos tentam se segurar no apoio de braços da velha poltrona para que ele possa se apoiar e virar em direção ao local para onde Davi está fixamente olhando, mas escorregam com o tremor do nervoso da situação. Mesmo sem conseguir se apoiar ele consegue virar um pouco, e, pelos cantos dos olhos vê a imagem de Marta parada em frente à porta, olhando para Davi. Os olhos de Paulo se enchem de lágrimas. Sua respiração fica ofegante, sem acreditar no que estava acontecendo. Marta se aproxima da cama de Davi e estende sua mão direita sobre a cabeça do menino. O quarto todo se enche do perfume de rosas. Davi fecha seus olhos e Paulo vê uma luz emanando da mão de Marta indo em direção à cabeça de Davi, que volta a adormecer tranquilamente sobre a cama.

Surpreso com tudo o que estava acontecendo, Paulo tenta recuperar o fôlego, Marta olha para ele e acena com a cabeça, após dar um leve sorriso para o marido.

- Marta! – Grita, Paulo, em uma reação quase instintiva. – Marta! – Grita novamente, para logo depois perder o equilíbrio e cair no chão, perto da cama.

Andreia abre a porta do quarto de Davi e vê seu pai caído no chão, ainda assustado, tentando se apoiar na cama para se levantar.

- Pai! O que aconteceu?

- Ela esteve aqui. Eu lhe disse. – Responde Paulo tentando arrumar os óculos, ao mesmo tempo em que tentava se apoiar para se levantar.

- Ela quem?

- Sua mãe. Ele estava aqui. Eu a vi. Eu senti seu perfume, filha. Ela veio ajudar Davi. Ela estava aqui.

Sem saber exatamente o que fazer, Andreia fica calada e só consegue ajudar Paulo a se sentar novamente na cadeira.

Antonio entra no quarto trazendo uma mochila de mão, um travesseiro, um cobertor de lã e um dragão de pelúcia verde, o brinquedo preferido de Davi.

- O que aconteceu? – Pergunta assustado vendo Paulo no chão e Andreia tentando levantá-lo.

- Me ajuda aqui, Antonio, que não dou conta do papai sozinha.

Antonio coloca as coisas sobre uma pequena mesa de refeições que estava dentro do quarto e ajuda Andreia a erguer Paulo.

- O que está acontecendo? O senhor caiu?

- Ela esteve aqui, meu filho. Ela aqui para ajudar o Davi. Eu a vi.

- Quem esteve aqui?

- Marta. A minha Marta esteve aqui.

Mais tarde, no corredor do hospital, Andreia conversa com Antonio sobre o ocorrido.

- Eu estou ficando preocupada com o papai, Antonio.

- Preocupada? Não era você que achava que eu deveria apoiar essa ideia do seu pai de que o problema do nosso filho tinha um fundo "espiritual"? Nada mais normal, agora ele começar a ver a sua mão junto do neto.

- Eu tô falando sério, Antonio. Ele estava muito nervoso. Você não o viu. Ele estava caído no chão e tinha certeza absoluta de que a mamãe tinha estado lá.

- Eu vi seu pai nervoso. Eu ajudei a levantá-lo. Mas não consigo falar com ele sobre isso. Essa estória de que sua mãe esteve no quarto para ajudar o Davi é muito para a minha cabeça. Ela esteve fazendo exatamente o quê?

- Pelo que ele falou, ela caminhou até a cama, colocou a mão sobre a cabeça de Davi, como se o estivesse abençoando, fechou os olhos e mexeu a boca como se estivesse rezando.

- Bem... Pelo menos não deve ter sido nada de ruim para o Davi.

- Antonio... Eu não estou acreditando. Antes você não queria nem saber de nada ligada à Espiritismo e agora você acha normal meu pai ver esse tipo de coisa.

- É exatamente isso que você acaba de falar: "seu pai, ver". Não significa que tenha acontecido. Você viu a sua mãe no quarto, quando entrou para ajudar seu pai?

- Não. Não vi.

- Então? Quem lhe garante que tenha realmente acontecido? E se, na melhor das hipóteses, foi um sonho que seu pai teve, cochilando, enquanto estava sentado na poltrona, enquanto estávamos em casa pegando as coisas para o Davi? Quantas vezes você mesma me disse que já o acordou em várias noites diferentes para ir para quarto dele, enquanto estava na sala de casa dormindo sentado na cadeira?

- Sim. Mas ele nunca teve esses sonhos. Isso, se tiver sido um sonho.

- Nunca teve, mas pode ter tido. Ou ainda pior, amor... - Continua Antonio, segurando a mão de Andreia. - ...seu pai pode ter tido um delírio. Nós dois sabemos que ele já é um senhor de idade.

- Não fala assim. Você sabe que eu não gosto.

- Eu só estou falando algo que pode, realmente, estar acontecendo, por mais que você não queira. Isso é absolutamente normal. A minha mãe passou por isso. Você sabe disso.

- Eu sei. Eu lembro como foi.

- Então... Fica tranquila. Provavelmente foi só um sonho mesmo. E vamos entrar que é melhor que eu pegue seu pai e o leve para casa para poder descansar melhor. – Antonio e Andreia entram no quarto.

Paulo está parado em pé, ao lado da cama de Davi.

- Eu sei o que eu vi. Ela estava aqui.

- A gente não está falando o contrário pai. Fique tranquilo.

- É seu Paulo. A gente só fica nervoso porque o senhor ficou muito exaltado com toda a situação e isso não faz bem para o senhor.

- Eu sei meu filho. Mas ela estava aqui. Ela estava aqui. Exatamente onde estou.

- Não se preocupe mais com isso, pai. O Davi já deve receber alta amanhã de manhã cedo. Vá pra casa com o Antonio e descanse. Amanhã de manhã o Antonio já vem nos pegar e vamos poder ir pra casa e o senhor vai ficar melhor.

- Tá bem minha filha. Fique em paz. E você, rapazinho. – Fala Paulo, baixinho, para Davi que está dormindo. Fique com Deus e diga para a sua avó que é para ela parar de me assustar desse jeito.

Antonio olha para Andreia e dá um leve sorriso.

- Vamos lá seu Paulo. A gente vai chegar rapidinho que essa hora não tem mais trânsito. Dorme bem, amor. – Antonio dá um beijo em Andreia – E tu, moleque, fica bem rapidinho que te quero em casa amanhã de manhã. – Antonio abaixa a cabeça e dá um beijo na testa de Davi.

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