Prólogo

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Ela odiava aquele barulho.

Os bips da máquina só não eram mais insuportáveis do que a ideia de estar onde eles indicavam: um quarto de hospital.

Lentamente, Shay abriu os olhos para constatar o óbvio. Ainda estava sob o efeito dos anestésicos. Via tudo um pouco borrado e tinha dificuldade de identificação.

Ao lado da cama, alguém lia uma revista na poltrona de acompanhante. A visão foi ficando mais nítida e ela pôde notar os cabelos pretos e os olhos bem azuis daquela inesperada companhia.

"Ótimo." pensou com sarcasmo. "Acordar num hospital, com o ex da minha melhor amiga. Acho que não dá para ficar pior."

Tuomas namorara Thalia, sua melhor amiga de infância. Era difícil não se lembrar dele, não apenas pelo nome com grafia diferente, mas também pelo quanto a amiga chorara por ele.

Ouviu o ruído característico da maçaneta e a porta se abriu. Tentava se localizar visualmente: o som vinha da direita e outro homem entrou no quarto. Trazia um suporte de papelão com dois copos descartáveis de café. "Starbucks", concluiu ela, por causa do logo verde. Ele se aproximou do rapaz que estava na poltrona e entregou-lhe um dos copos.

Loiro, corte de cabelo militar, vestindo um jaleco branco. Shay arrepiou-se ao perceber quem era o médico.

"Ok, dá para ficar pior." Revirou os olhos ao constatar que o loiro era o namorado de Tuomas. Lembrava-se vagamente de que, quando Tuomas terminara com Thalia, tinha ido morar com Erick.

As memórias ainda estavam um pouco confusas. Lembrava-se de anos passados, até de semanas passadas, mas não se lembrava de como tinha ido parar ali.

Tentou se mover, porém, sentia o corpo pesado. Resmungou baixo quando moveu a mão e sentiu a agulha que a ligava ao soro. Notou o suporte próximo às malditas máquinas barulhentas. Foi o suficiente para perceberem que ela tinha acordado.

— Shay, tenta não se mover — disse Erick, apoiando o café na mesinha ao lado da poltrona. — Você consegue me ouvir?

— Estou ferida, não surda.

— Bem, parece ótima pra mim! Já está até de mal humor — comentou Tuomas, rindo baixo.

Ela tentou sentar na cama, Erick fez menção de impedir, mas a dor lancinante que sentia na área da barriga fez o trabalho por ele. Bufou e desistiu de tentar se levantar.

— O-o que aconteceu, afinal? Onde raios eu estou? — Shay perguntou, olhando-os. Os dois se entreolharam.

— Bem — respondeu Tuomas. — Acho que você estava à trabalho e as coisas deram um pouco errado. Fora isso, estamos em Nova York.

As memórias começavam a tomar forma. A missão. A perseguição. O carro em alta velocidade que vinha para cima dela. Eram apenas flashes dispersos, mas conseguiu se situar.

— Eu te encontrei imprensada, na altura da cintura, por um carro, contra uma parede. Você tentava empurrá-lo para longe, mas não conseguia. — Enquanto ele falava, recobrou essa memória também.

— Acho que me lembro disso — murmurou, ainda um pouco afetada pelo anestésico. — Você ajudou a puxar o carro.

— Então, você me mandou à merda e disse que não precisava de ajuda. — Tuomas riu. Também se lembrou disso. — Demorou um pouco até que você admitisse que precisava. Acho que quando a descarga de adrenalina passou, você apagou.

— E você teve a brilhante ideia de trazer uma lobisomem para um hospital?

— Eu sou cirurgião aqui, Shay — respondeu Erick. — Eu jamais permitiria que você fosse atendida por médicos humanos. Assim que Tuomas deu entrada com você, eu assumi. Você passou por uma cirurgia longa.

— Foi tão ruim assim? — Era uma pergunta retórica. A dor que a fez gemer por tentar se ajeitar na cama respondeu. Erick mexeu na dosagem da medicação no soro e Shay respirou fundo. Respirar profundamente também doía.

— Você chegou com hemorragia interna. O impacto quebrou algumas de suas costelas e esmagou alguns órgãos. Nós fizemos o possível.

— Possível? O que você quer dizer com "o possível"? — perguntou, obviamente preocupada com o quão grave era o seu estado. Não imaginava uma vida sem missões.

— Shay, eu sinto muito, mas você ficou... — A voz de Erick ficou cada vez mais distante.

Tudo a sua volta escureceu novamente.

Inimigos Mortais (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora