O toque é gélido, mas me aquece .

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— E o que isso — imito seus atos sorrindo mesmo que ele não possa me ver — tem de diferente?

— Quando me deito aqui agora a sensação é pacificadora, entretanto há alguns meses atrás era justamente o contrário. Não há nada em volta de mim, mas isso é só uma percepção. Na realidade há muitas coisas em volta de mim. Por exemplo, você está ao meu lado deitado na cama — ele estica o braço e toca meu pulso — E mais para frente, onde meus pés alcançam, há uma mesa — ele a chuta de leve, apenas para reproduzir o barulho — Mas eu não posso ver nada disso na escuridão, é como se nada me cercasse. Quando me deitava contigo sobre o imenso manto negro, temia que por algum motivo louco todas as coisas que eu não pudesse ver deixassem de existir, assim como você e eu.

— Você ainda tem medo de deixar de existir?

— Tenho medo que as coisas que gosto deixem de existir, eu sou apenas um detalhe.

— Você tem medo que eu deixe de existir aqui nessa escuridão?

Youngjae hesita.

Muito.

Soa como se ele fosse uma enorme avalanche de sentimentos inundando meu mundo sem luz. Sua voz está carregada de temor, pânico, sentimentos que nunca o vi expressar e provavelmente nunca verei novamente dessa forma, afinal estou observando tudo com olhos que não veem nada. Certas vezes ouço uma pequena parcela do que ele acaba de me mostrar em outras noites e minhas mãos anseiam para toca-lo, mas não fazem. Contudo hoje não me controlo e estico o pulso até onde penso que ele está, tocando o que penso ser seu braço. Uma das sensações mais loucas e bizarras de estar completamente cercado pela escuridão é o medo de agarrar aquilo que a luz não mostra, por isso nunca me arrisco fora da minha zona de segurança. Com o braço dele em minha mão, entretanto, perco um pouco desse medo bobo.

— Venha aqui — chamo de forma delicada, em um tom tão suave que desconfio ser minha voz, abrindo espaço para que ele se deite na cama.

Youngjae se deita ao meu lado quase que imediatamente, ele treme um pouco. Seu corpo é grande, um pouco menor que o meu, mas é um garoto enorme e tudo que tem de altura parece ter em beleza e bondade. O ajeito entre meus braços, sinto seus fios tingidos tocarem meu pescoço quando ele se arruma para colocar a cabeça em meu peito. Com a mão ao seu lado, mexo em seu cabelo delicadamente. Seu braço envolve minha cintura de forma um pouco desleixada, mas o calor dele me deixa tão confortável que não o afasto. A música ainda toca baixinho no fundo, ela é francesa, a melodia é calma e melancólica, minha música favorita do ano. Youngjae cantarola baixinho com seu francês impecável e de repente me recordo porque gosto tanto dela.

Foi ele quem me apresentou esse mundo musical francês incrivelmente viciante, mas as palavras parecem sair mais bonitas de seus lábios do que do meu celular.

— Sua voz soa perfeita em francês.

— Já me disse isso antes.

Sorrio.

— Já?

— Milhares e milhares de vezes.

— É porque é verdade.

— Não sei se acredito.

— Há muitas coisas que você diz e faz que são perfeitas.

Youngjae suspira e se agarra mais ainda a minha cintura.

— É por causa disso que temo que você deixe de existir, não existe alguém que me deixe tão feliz quanto você.

— Sinta-me, Youngjae — me sento na cama, ajudando-o a ficar entre minhas pernas.

O escuro faz parte de mim da mesma forma que faço parte dele. Não preciso de nada para me guiar aqui.

A pontinha do dedo dele toca meu nariz, então o resto dos dedos surgem em seguida. Estão gelados, mas não deixam de trazer uma sensação gostosa. Eles tocam minhas bochechas, meus olhos, cílios, sobrancelhas e se demoram em meus lábios. Não consigo conter o sorriso ao sentir seu polegar se arrastar pela extensão de meus lábios e ele ri baixinho. Suas mãos então descem para o meu pescoço, com uma delas ele embrenha seus dedos em meus fios próximos à nuca, e com a outra desce mais até minha clavícula e a dedilha sutilmente. A diferença de temperaturas me deixa tão extasiado que não evito um arfar baixo ao senti-lo colocar a mão sobre meu peitoral. Youngjae respira de forma pesada agora e sei que foi por conta da minha reação. Volto a sorrir, mas dessa vez ele não sabe.

— Você não me vê, mas sabe que estou aqui, como também sabia minutos atrás. Mesmo que esteja em volta da escuridão, sabe que eu estou com você. Como pode então temer que eu deixe de existir?

— Porque muitas coisas de repente somem diante de meus olhos e agora, cego pela escuridão, fica ainda mais fácil desaparecer — resmunga baixinho, pousando sua mão sobre minha coxa coberta pelo tecido fino do short que uso.

— Mas há muitas coisas que permanecem contigo mesmo quando a luz vai e volta e eu sou uma delas, Youngjae.

Ele suspira novamente.

— A pergunta é até quando você aparecerá entre os lapsos de luz.

— Não depende de mim ou de você, mas julgo que ficarei aqui para sempre.

Youngjae fica um tempo em silêncio ponderando.

— Eu acho que temo que você deixe de existir mesmo que a luz incida exatamente em cima de ti e nunca vá embora, como disse antes com as coisas que somem diante de meus olhos.

A mão dele que estava em minha nuca desce pelos meus ombros, caminha pelos braços e ele logo a recolhe, como também faz com a outra que estava sobre minha coxa.

— Então você não teme que eu suma no escuro, mas que suma de tudo que você conhece?

— É, algo assim.

Aproximo-me de onde sei que seu rosto está e ele se afasta quase caindo da cama.

— Quer me matar do coração, hyung?

— Eu sempre estarei com você — digo baixinho, tocando seu rosto, sentindo exatamente onde cada coisinha tem que estar — Sempre.

— Você não pode me prometer isso com a certeza que irá cumprir — rebate no mesmo tom.

— Tem razão — beijo-lhe os lábios, sorrindo — Mas essa em especial eu lutarei para manter mais do que luto para preservar nossa sexta-feira especial.

Ele sabe que isso é muito e não evita murmurar algo.

— O que disse? — perguntou antes de voltar a selar seus lábios, adorando a textura deles contra os meus.

— Que isso não vai me fazer bem.

— Isso o quê?

— Sua nictofilia, afinal como consiguirei ficar tranquilo nesse espaço escuro sem poder te tocar agora que a sensação me é simplesmente viciante?

Acho que me pergunto a mesma coisa e por não ter resposta volto a beija-lo. Costumo dizer que o escuro me traz respostas, mas agora ele permanece com uma dúvida.

— Posso te sentir novamente?

Mas dúvidas são essenciais em qualquer lugar, eu acho.

Há paixão no escuroWhere stories live. Discover now