Michiko

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Enquanto colhia café, Michiko observava suas mãos calejadas e mal pagas. Já estava muito longe do sonho primeiro, da riqueza fácil que encontraria no Brasil. Seus pais, já velhos e cansados, mal conseguiam trabalhar metade do dia. Dos seus quatro irmãos, só restavam dois: Yuichi e Keiko. Os dias passavam e ela nunca encontrava uma saída para tal destino. O quanto sonhara em voltar ao Japão, ou ao menos dar a chance de seus pais voltarem. Perguntava-se sobre os tios que vira duas ou três vezes na vida, estariam vivos?

- Michiko! Michiko! Onde está?

- O que aconteceu, Keiko?

- Nosso pai... Nosso pai está morrendo!

- Morrendo?

Saíram ambas correndo numa espantosa velocidade. O coração de Michiko saltava no peito, dezenas de pensamentos inundavam sua mente, o que restava de todos os sonhos partilhados estava prestes a transformar-se em pó.

Lembrou-se do dia em que seu pai, assustado, carregou-lhe no colo após ter machucado a mão esquerda. Michiko não tinha mais que seis anos, sua família havia acabado de desembarcar no Brasil e ninguém sabia ao certo o que estava para lhes acontecer.

- Sai daí Michiko!

O barulho foi aumentando foi aumentando. A mulher ficou presa no chão. Sua mente esvaziou-se, nada mais ouvia nem via. Chegara ao ponto final do sonho de voltar ao Japão. Voltar. Voltar...

Abriu os olhos lentamente, sua vista estava embaçada, mas aos poucos voltava a definir os objetos claramente. Quando estava prestes a levantar a cabeça, ficou paralisada de susto: percebera, pois, que se encontrava em sua antiga casa no Japão. Encantou-se ao ver seus antigos móveis, o lar simples no qual residira nos seus primeiros anos de vida. Por mais que de nada daquilo recordasse com clareza, mergulhou nas mais profundas e tenras memórias que jamais foram jogadas fora.

- Aida! Veja, ela acordou!

- Não grite assim Keiko!

Michiko sentiu seus olhos marejando. Suas duas irmãs, Aida e Keiko, ainda crianças e ao alcance de suas mãos. Aida era a mais velha e falecera por causa de uma forte gripe que a derrubara por semanas. Era ainda muito jovem, deixara o marido e a filha para trás.

- Você não fala? Será que está passando mal?

- Está tudo bem agora.

- De onde você veio? Nunca te vi aqui por perto.

- Não faça tantas perguntas, Keiko! Deixe-a descansar.

- Já me sinto melhor, só me incomoda o fato de não saber ao certo como cheguei até aqui. - diz ainda com a mão na cabeça.

- Descanse um pouco, quem sabe você se lembre. Vou cozinhar algo para comermos.

- Onde estão seus pais?

- Trabalhando, eu acho. Nosso irmão Yuichi deve estar com o papai, já Michiko...

- A Michiko não consegue largar da mamãe, NE... Ela bem que podia ficar aqui conosco.

- Michiko é nossa irmã mais nova. Chora o dia todo sem a mamãe aqui.

A mulher sorria a cada detalhe que suas pequenas irmãs relembravam-lhe. Memórias de um passado sagrado que os duros dias de trabalho nunca lhe deram tempo de revirar. Michiko cozinhou, cantou, conversou, brincou e riu com Aida e Keiko, mas em nenhum momento contou quem realmente era: temia quebrar tal encanto.

Os pais chegam, bem como Yuichi e a pequena Michiko. Ao defrontar-se assim tão de repente com sua própria pessoa de apenas quatro anos de idade, deu-se conta de que realmente havia voltado no tempo. Em nenhum outro momento tal pensamento havia ficado tão claro em sua mente.

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