Já em sua casa, Aline contou em detalhes a conversa com Márcio. Reviver tudo aquilo fez com que sua tontura se transformasse em dor de cabeça.
- Eu não acredito! Ele não pode ter sido tão babaca a ponto de desconfiar de você. – Clara estava inconformada. Aline sabia que a amiga queria mesmo quebrar a cara de Márcio. Ela engoliu o comprimido para dor de cabeça com dificuldade e suspirou. Sentia-a exausta.
- Tudo bem. A gente pensa melhor amanhã. – Clara pegou a bolsa – Me liga se precisa de qualquer coisa. A qualquer hora, ta bem?
- Ta bem. Obrigada, Clarinha. – Aline agradeceu a amiga, que sorriu.
Sozinha em seu apartamento, seus pensamentos pareciam gritar. Aline realmente achou que sua cabeça iria explodir. Ela se arrastou para o quarto e vestiu a camisola mais confortável que encontrou. Na maciez de sua cama, Aline sentiu-se um pouco mais segura. Talvez Márcio realmente precisasse apenas um tempo para pensar. Ele a amava, certo? Os dois tinham 25 anos, namoravam há 8 meses e não se sentiam prontos para serem pais. Era normal uma reação exagerada da parte dele. Mas ela sabia que iriam enfrentar aquela situação juntos. Tinha certeza. Precisava ser positiva. E foi pensando nisso que ela adormeceu.

Na manhã seguinte quando o despertador tocou, Aline sentia-se ainda mais exausta do que na noite anterior. Antes que pudesse pensar em qualquer coisa, ela pulou da cama e correu para o banheiro e vomitou apenas bile, já que não tinha nada em seu estômago. Os enjoos estavam cada vez mais frequentes. Ela acionou a descarga e então entrou no chuveiro, deixando a água gelada escorrer por seu corpo. Fazendo as contas, Aline começou a lembrar-se da noite em que, provavelmente, havia engravidado.
Eles estavam em mais uma das festas organizadas por Clara, dessa vez na casa de Márcio. Aline era fraca pra bebida, e sabia que já estava bêbada. Márcio e ela estavam em um canto, a passagem que ligava a sala com a escada do segundo andar. Os amassos estavam cada vez mais quentes e, quando percebeu, ela já estava na cama do namorado. Márcio falou algo sobre não ter camisinha naquele momento. Mas eles ignoraram e transaram mesmo assim, já que ela tomava pílulas anticoncepcionais. Foi só no dia seguinte, quando acordou com o namorado dormindo ao seu lado, que sua consciência gritou: Aline não tinha tomado as pílulas por uma semana, porque o remédio acabara e ela não tivera tempo de comprar outra cartela. Ela respirou fundo e acalmou-se. Estava tomando as pílulas corretamente há um ano. Uma semana sem tomar não faria mal. Ela não seria a exceção da regra. Um mês depois, ali estava ela: a perfeita exceção da regra.


Aline estacionou o carro na garagem do prédio da editora. Respirou fundo três vezes, um hábito que estava tornando-se frequente. Ela dirigiu-se para o elevador e, um segundo antes de as portas fecharem, uma ruiva alta e esguia entrou.
- Bom dia – A ruiva disse com um sorriso e Aline retribuiu.
As duas desceram no 18º andar, Aline foi para sua sala e a ruiva foi para a recepção. Assim que sentou-se, o telefone tocou.
- Bom dia, Rosa.
- Bom dia, Aline. O Sr. Vasconcelos está te aguardando em sua sala.
- Tudo bem, já to indo. Obrigada.
Aquilo era estranho. Edmundo Vasconcelos, o dono, presidente e diretor da editora não costumava fazer reuniões tão cedo. Por um lado seria bom, ela não teria tempo para pensar em seus problemas.
- Com licença... – Aline bateu na porta que estava entreaberta e entrou – Bom dia, Sr. Vasconcelos.
- Bom dia, Aline. Senta, por favor.
Ela sentou-se e percebeu que a ruiva do elevador estava sentada ao lado de seu chefe.
- Aline, eu te chamei aqui porque tenho uma notícia. Quero que você conheça Graziella Montouro.
- Muito prazer – Mais uma vez a ruiva sorriu, estendendo a mão para ela.
- Aline Loretto – Aline aceitou a mão de Graziela e as duas voltaram a sentar.
- A Graziella fará parte da equipe da Palavra Escrita – O Sr. Vasconcelos continuou – Ela é a nossa nova editora-chefe.
Até então, Aline estava com um sorriso estampado no rosto e assentindo para as palavras que ouvia.
- Editora chefe? – Ela repetiu e seu sorriso desfez-se.
- Quero que você entenda que nós e principalmente eu, adoramos seu trabalho. Você é uma excelente profissional, Aline. Mas eu estou com novas ideias para a editora e a Srta. Montouro tem esse perfil.
Aline mordeu o lábio. Aquilo estava mesmo acontecendo?
- Eu sei que você conseguiria executar este novo projeto perfeitamente. Mas, como eu disse, você é uma ótima profissional e não quero mudar sua visão. Por isso ficarei imensamente honrado em te indicar para outras editoras.
Sim, aquilo estava mesmo acontecendo. Aline pôs uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhou de seu chefe para a ruiva, que ainda sorria.
- Si-sim, Sr. Vasconcelos – Ela gaguejou – Eu entendo sua escolha, temos que pensar no bem da editora. – Aline forçou um sorriso e levantou-se – Com licença, eu vou arrumar minhas coisas.
Estava prestes a entrar em sua sala, quando sentiu uma mão em seu ombro.
- Aline, será que podemos conversar? – Graziella perguntou. Ela mantinha o sorriso no rosto e Aline já estava ficando com vontade de lhe dar um soco na boca. Ninguém sorria tanto assim!
- Claro.
- Olha, eu sei que não nos conhecemos. Mas não queria que você tivesse uma impressão errada de mim. Sei que deve ser péssimo ser demitida de surpresa, mas você tem razão quando diz que temos que pensar no bem da editora. Eu conheço seu trabalho, apesar de não ter trabalhado no Brasil nos últimos anos. Sei que você é boa, mas o Vasconcelos quer renovar a editora. E eu estou trazendo as tendências literárias da Europa. É apenas isso: eu tive sorte com o mercado lá fora.
Aline não conseguia mais ouvir a voz daquela mulher. Não naquele momento, com tanta coisa em sua cabeça.
- É isso, Graziella. – Aline a interrompeu – Você ta certa. Você teve sorte e eu não.
Aline entrou em sua sala e bateu a porta com força. O que estava acontecendo em sua vida?! Ela queria gritar. Queria pegar a cabeça de Graziella e bater com a cabeça do seu, agora, ex chefe. Queria dar uns bons tapas em Márcio, por ser tão insensível.
Márcio.
Ela pegou o celular e não havia nenhuma ligação perdida ou mensagem dele. Aquilo só a deixou com mais raiva ainda. E mais preocupada, já que agora estava grávida e desempregada.
Lentamente esvaziou suas gavetas, guardando suas coisas em uma caixa que Rosa, sua secretária, havia levado para ela. Foram três anos naquele escritório. Aline sabia que era incrivelmente jovem para ser editora-chefe, mas estava ali desde sempre. Começou por baixo, era estagiária e então foi crescendo. Quando tornou-se editora-chefe, fora muito antes do que planejava. Adora seu trabalho, adorava aquela empresa. Três anos fazendo seu melhor para que a Palavra Escrita fosse a melhor editora do país, e agora pareciam anos em vão. Simplesmente para que uma ruiva magrela aparecesse e roubasse todo o eu esforço.
Aline rapidamente despediu-se de seus colegas de trabalho, odiava despedidas. Só conseguiu respirar fundo quando estava sozinha em seu carro.

Quando tudo aconteceDonde viven las historias. Descúbrelo ahora