05. A Menina do Bracelete Dourado

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Nada de branco

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Nada de branco. Norah queria mesmo era virar o ano de azul royal. O vestido, luminoso e passado de forma impecável, era admirado por ela em pequenos intervalos de tempo, especialmente porque faltavam poucos minutos para vesti-lo.

A peça, plissada, era arrematada com um laço frontal na cintura feito a partir do próprio tecido. Norah demorara semanas escolhendo o figurino para a virada do ano e tinha um motivo animador: ela e Ricardo passariam o Réveillon na casa de um vizinho, algumas casas depois da sua, e os anfitriões tinham um filho. O menino era mais velho que Norah um ano e tinha adjetivos que ela valorizava bastante. Divertido, sarcástico e dono de uma beleza invejável, o filho do vizinho era alvo dos olhares e da admiração das meninas do condomínio.

Embora Norah poucas vezes tenha cruzado com o garoto, notara uma empatia imediata nas conversas breves que tiveram. Ela lançava seu charme ao mexer no cabelo e ele correspondia com um largo e radiante sorriso. De acordo com sua experiência em ter o menino que quisesse, sabia que seu interesse por ele era recíproco.

Depois que voltou de Terraforte, a irmã de Higino não tinha mais os mesmos interesses no que dizia respeito ao sexo oposto. Não se sentia mais confortável em enxergar os meninos apenas como troféus. Passou a peneirar suas escolhas, e dentro de seus novos requisitos, o menino da casa vizinha ainda se encaixava perfeita e histericamente bem.

No entanto, com toda a euforia que costumava sentir no fim de dezembro, Norah não esperava que fosse desanimar à medida que o último dia do ano se aproximasse.

De frente para o espelho, encarava o próprio reflexo.

Tinha mais coragem do que antes.

O bracelete de escamas douradas estava de lado, pendente na lateral da pia.

Os olhos negros profundos haviam mudado de forma sutil. Ainda mantinham o formato humano, apesar do tamanho maior que o normal. Ainda possuía o mesmo brilho embaçado. No entanto, era menos vazio, menos infinito. Por vezes, ela teve força o suficiente para colar seu nariz no vidro espelhado e ver, com certa alegria, o quase invisível contorno de uma íris começando a se formar. Mal conteve a felicidade.

A pele continuava a mesma: viscosa, escorregadia. Reluzia pobre e fria nos tons de azul. Dos pés aos joelhos, das mãos aos cotovelos, as escamas permaneciam revestindo-a. Seu tórax continuava aquoso, transparente, inteiramente composto de água. Os órgãos continuavam impossíveis de serem visualizados.

Os dois peixes que outrora nadavam no curto espaço peitoral da menina tinham mesmo partido. Erin e Sorenta, os irmãos que governaram Terraforte em épocas remotas, não mais influenciavam Norah fisiologicamente. Seu corpo estava livre da responsabilidade de suportar tais seres, o que, ainda assim, não o transformou em algo tido como normal. Norah sentira melhoras delicadas não apenas nos olhos, mas principalmente no cabelo. Mantinha-se branco e liso. Continuava comprido e ralo, mas não era mais falhado. Os espaços em seu crânio tinham sido preenchidos, aliviando o aspecto mortificado de sua cabeça.

Os Descendentes e a Pugna Regencial [AMOSTRA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora