Linhas distintas

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Agatha era destemida. Seu nome poderia ser facilmente substituído por coragem. A imagem de seus olhos era a mais linda que Félix já guardara em sua mente.

Ela nunca foi uma mulher como as outras ao seu redor e, para um cara como ele, também diferente da maioria dos que o cercava, ela seria... perfeita.

Suas íris verdes acinzentadas talvez tenha sido a primeira coisa pela qual ele se apaixonou, dentre tantas as qualidades que formava o ser da linda moça que amava dançar e se aventurar em campos durante as madrugadas.

Sua existência deveria ser conhecida em todo mundo e o mundo, por sua vez, deveria abraça-la. Glorifica-la, ama-la, assim como Félix.

Bem, era o que ele achava.

Vivendo como coadjuvante de outras pessoas e muitas vezes servindo como figurante de amores alheios, o que ele mais queria era entrelaçar seus dedos aos da mulher que amava.

O desejo em sentir o cheiro dela era tamanho, quase espiritual. Sempre que o oxigênio invadia seus pulmões, Félix fechava os olhos e jurava que o perfume dela estava ali. A crença era tão forte que ele muitas vezes não liberava o gás carbônico para a atmosfera.

A vida pacata muitas vezes o deixava frustrado.

Ele queria algo que lhe tirasse da monotomia que eram seus dias, mas bares e festas não estava em suas opções e nem encontros arranjados com colegas do estágio parecia o suficiente.

Cansado da Era das relações rasas e sem fundamentos, a preguiça em procurar alguém estava impregnada em sua pele.

Ele sabia quem ele queria.

Só tinha cabeça para ela.

Agatha, por outro lado, dispensava qualquer coisa que desse a ela o mínimo rótulo ou característica de recatada.

Era normal as moças esperarem um bom partido, casar, ter filhos e viver o resto de seus dias em prol dos frutos dessa tradição.

Mas ela era diferente. Desde suas roupas até a firmeza de suas palavras.

Um café com as amigas em uma confeitaria era algo tão... chato, banal. Ela estava cansada. Queria viver. Conhecer o mundo, pessoas, culturas. Construir memórias e experiências.

Ela se sentia presa.

Presa em sua história. Queria mudar o que lhe foi predestinado.

A cada dia que se passava, suas madrugadas iam ficando interessantes.

Um passeio no jardim aqui, olhares trocados com alguns moços ali...

A falta de penteados atraia olhares.
Os longos e volumosos fios negros caiam em cascatas pelos seus ombros e costas. Sua pele, de tão branca, cintilava ao sol e seus olhos verdes eram como faróis.

Tal delicadeza contrastada com o ar rebelde, como todos diziam, ganhava equilíbrio toda vez que seus lábios medianos eram pintados com um vermelho vivo.

Era o desejo de muitos. O diferente sempre dá nisso.

E ela sorria. Andava com as amigas e não media suas palavras. Era intensa. Capaz de dar risada em um funeral apenas porque... deu vontade.

Não ser de ninguém e ser tudo para ela era o seu mantra.

Mas isso não significava que Agatha não queria dividir suas descobertas e aventuras com alguém.

Em algum momento, ela se viu completamente apaixonada por Félix.

"Tão diferente..." — ela pensava.

Ele era o único ser em todo o mundo, pelo qual ela se entregaria para... sempre.

Félix era a estabilidade que ela almejava e o diário que tanto procurava.

Alguém que ela desejava dividir descobertas e tumultuar a vida.
Alguém que lhe abraçaria e diria "amo o cheiro das flores que se instala em sua pele a cada madrugada que você se faz livre".

Ela não via a hora de poder, enfim, ter as mãos dele lhe acariciando o rosto.

Adorava o quão inteligente ele era e a bondade em seu coração. Poderia imagina-lo sorrindo para cachorrinhos na rua e dando bom dia, boa tarde e boa noite aos velhinhos que cruzavam seu caminho.

Admirava sua garra e o quanto lutou para equilibrar seu tempo entre estudos e trabalho. Ele sabia que sua ajuda era essencial para sua família.

Félix também carregava um olhar intenso e foi só depois de conhecer os olhos dele, que Agatha começou a achar a cor amendoada interessante. Elas eram calorosas, assim como todo seu corpo composto por ombros largos e pernas cumpridas.

Ele era o típico personagem galanteador de livros.

Agatha amava Félix e Félix amava Agatha.

Ela seria a companhia de tardes enroladas nas cobertas assistindo a bons filmes.

Ele seria a pessoa que tem os braços como casa para ela. Independente de qualquer coisa, era assim que ela se sentiria sempre que seus corpos se encostassem.

Seria...
Seria.
S.E.R.I.A

Seria se, bem, ambos pudessem viver esse amor.

Seria se, o autor de suas histórias desse uma chance para eles.

Seria se, eles não estivessem presos em suas próprias páginas.

Seria se, o único lugar no qual já se encontram não fosse em meio ao furacão que é a mente criativa e egoísta de um escritor de romances. Em um milésimo de segundo.

Impressos em livros distintos, vivendo em mundos literários diferentes, eles nunca poderiam largar suas vidas, seus destinos e tudo o que havia sido escrito para eles, apenas para viver esse amor proibido e impossível.

Dentre tantas histórias e desejos de bilhões de pessoas na Terra, o que Agatha e Félix mais queriam era uma chance para fazer desse amor algo real. Algo que o universo consagraria. Eles queriam que alguém lhes estendessem as mãos, os puxassem de seus papéis e escrevesse uma nova versão para suas vidas na qual a mocinha rebelde da década de setenta, pudesse se encontrar com o moço loiro de olhos castanhos do século vinte e um.

Infelizmente, não é nessa obra que esse desejo se tornará realidade.

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