—Então, você quer adotar uma criança. Uau. Um grande passo.

—Sim. — concordei.

—Bom, vou ser direto e quero que você seja direto comigo.

—Nem precisa se preocupar. — falei.

E percebendo minha ironia, falou mais.

—Olha, eu não fazia ideia de que esse era seu endereço. Se soubesse teria mandado outra pessoa. — desviou o olhar para baixo. —Eu não sei porque agi daquela forma em nosso encontro, mas eu posso jurar que eu não estava em meu estado normal.

—Tudo bem. Você não me deve explicações. Eu acredito. — eu não acreditava.

Depois disso um breve silêncio constrangedor se seguiu entre nós e eu já estava agoniado.

—Tudo bem. Vamos falar da adoção então, certo? — falei.

—De acordo. — ele se recostou e bateu alguns papeis sobre as pernas. —Bom, eu vim aqui apenas para esclarecer as próximas etapas do processo.

—Certo.

—Primeiramente, essa ainda é uma visita inválida. Claro que posteriormente virão alguns profissionais para te visitar, avaliar coisas como situação financeira, as condições de vida no lar. — ótimo, pensei, então fizera tudo aquilo pra nada. E pra ele.

—Então o que vem agora?

—Você vai precisar fazer um curso de curta duração, para preparação psicossocial e jurídica. Ele é obrigatório, só para constar.

—Claro, claro. Eu faço.

—Depois disso, como eu falei, virão te visitar e... — ele fez uma pausa. —Certifique-se de estar bem.

Não o respondi. Se aquilo era preocupação ou mero sarcasmo, tanto fez.

—Mais algo que eu deva saber?

—Por hora é só. — voltou o olhar para a prancheta e escreveu algumas coisas. —Eu já me certifiquei de te cadastrar no curso preparatório, então é só esperar.

—Quando eu começo?

—O curso acontece de Julho pra Agosto.

—O quê!? Tudo isso?

—Sim.

—Eu preciso mesmo fazer isso? — questionei desanimado.

—Lamento, mas sem o certificado após o fim do curso... Você não pode continuar o processo.

Coloquei as mãos por sobre a testa. Esperaria mais ainda.

—Acabou?

—Acabou. — ele respondeu e se levantou. Levantei-me também.

Ele me fitou por algum tempo com os olhos instáveis.

—Obrigado. — falou estendendo a mão pra mim.

—Pelo quê? — perguntei sem entender.

—Você não deve lembrar, é claro, e por quê deveria? — ele riu. —Como eu disse naquele dia eu não estava muito bem, e não me dei conta de quem você era.

Ainda não estava entendendo.

—E quem eu sou?

Ele riu.

—Você era meu professor favorito nos tempos da escola.

Surpreendeu-me. Tentei desesperadamente tentar reconhecê-lo, mas não tive muito sucesso.

—Qual é o seu nome mesmo?

—Teo. Ou mais comumente, "Teo, O E T".

"Teo, O E.T"

Como não havia reconhecido ele? Se bem que tinha mudado muito. Acho que fiquei sem reação por alguns segundos.

Teo fora um dos meus melhores alunos, de quando comecei a lecionar, e não só meu, mas querido por todos os professores. Seus colegas o chamavam de O E.T, que não só é uma inversão do seu nome, como era um apelido de mau gosto pelo fato de que ele era diferente de todos os outros.

Não se relacionava. Sentava sempre na última cadeira, encostado pra parede. E mesmo assim, tirava notas maiores do que aqueles que sentavam na primeira. Ninguém sabia nada de Teo, ou sobre sua família. Seus pais nunca apareceram para as reuniões que aconteciam normalmente. E assim, mesmo com esse apelido idiota, Teo passava despercebido por todos.

—Teo? — falei por fim. —O que aconteceu com você? Quantos anos tem hoje?

Ele ficou em silêncio.

—Tenho 21. — riu. —Sabe, professor, eu não sou essa pessoa horrivel que você viu. E não sei o que aconteceu comigo. Em algum momento eu me perdi. No entanto, suas aulas sempre foram reconfortantes pra mim. Nelas eu podia esquecer tudo o que acontecia comigo, e pensar um pouco no que acontecia com os outros, com todos. Por isso escolhi esse trabalho de meio período, mas eu curso engenharia.

—Uau... Teo. Isso é... Isso me faz muito feliz. — estava totalmente envergonhado pelo modo como o tratara. —Peço perdão por ter agido tão ríspido com você.

—Imagina, eu mereci. Também peço perdão.

—Estou realmente feliz em rever você. — e eu estava mesmo.

Ele estendeu a mão novamente, depois de toda essa explicação.

Olhei para ela e agora eu que ri.

O puxei para um abraço, suepreendendo-o.

—É sempre bom ver que meus alunos estão virando alguém.

Ele ficou constrangido. E seu olhar. Eu conhecia aquele olhar. Teo olhava para si mesmo, não literalmente. Teo ouvia o que eu falava e olhava para si. "Eu não sou isso", ele pensava. Eu sabia pois havia pensado isso milhares de vezes no decorrer da vida.

—Não é pecado se perder. — falei. —Isso não te torna uma pessoa pior. É só olhar pra minha ficha que você se sente melhor.

Nos descontraimos, e Teo pareceu ficar mais aliviado.

Ele foi embora, me desejando sorte na adoção e eu o deixei ir desejando sorte no que quer que esteja passando.

Fui até meu quarto e me sentei na beira da cama, aliviado por esse dia. Tudo correra muito bem.

E vou lembrar de nunca mais tratar mal alguém. Claro que por se sentirem mal eles não têm o direito de nos deixar também, mas eu posso me controlar. Afinal, ninguém sabe pelo o que o outro está passando.

Teo.

Deitei-me.

Logo lembrando de que teria que esperar até Julho.

Quatro meses pela frente.

Se esperei até aqui, consigo esperar mais um pouco.











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⏰ Última atualização: Mar 04, 2018 ⏰

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