***

Após os Otários terem contado a origem de Pennywise e seu envolvimento com a onda de assassinatos, Gracie contou sua experiência no banheiro. Para se distrair um pouco, todos voltaram a trabalhar na casa da árvore, porém raramente se conversavam. O ar no lugar estava meio pesado desde sua confissão.
Por volta de uma da tarde, Beverly, Stan e Mike chegaram juntos.
- Oi pessoal... - Mike cumprimentou, olhando para os amigos que carregavam algumas tábuas. O silêncio o incomodou. - Alguém... Morreu?
Mike amaldiçoou sua boca assim que terminou a sentença. Quer dizer, ótima frase para se dizer durante uma onda de assassinatos, não é?
Bill, Gracie, Richie e Eddie se entreolharam, desconfortavelmente. Eddie tomou a frente, com ansiedade.
- Gracie viu a Coisa.
A frase era clara.
Mike, Beverly e Stan sentiram os pêlos de seus corpos se arrepiarem imediatamente.
O silêncio voltou a se fazer presente enquanto, na cabeça de Gracie, ela ouvia uma cacofonia ensurdecedora.
- Olha, pessoal, eu admiro o respeito de vocês pela tragédia e coisa e tal... Mas acho que já está na hora de acabar com essa vibe. - Richie andou até sua mochila, sem se importar com os outros. - Minha mãe fez uns sanduíches pra gente, então...
O menino começou a distribuir os sanduíches entre os amigos. Quando passou por Gracie, seus olhos o fitaram num agradecimento silencioso. Richie apenas sorriu e levantou o óculos com o dedo indicador.
- Cara, eu adoro presunto... - Disse Ben com a boca cheia.
Stan parou de mastigar instantaneamente.
- Presunto? Tipo, porco? - Stan cochichou.
- É, a menos que você saiba outra maneira de fazer presunto. - Richie riu.
- Eu acho que eu vou vomitar. - Stan jogou o sanduíche pro lado, correndo pra margem do rio.
- Qual o problema? - Gracie segurava a risada.
- Stan é judeu. - Beverly disse, sem tirar os olhos do amigo. - Mas acho que alguém não tem respeito nenhum pela religião dos outros. - Seus olhos fuzilaram Richie.
- Ah, qual é, você acha que Deus vai negar um judeuzinho fofo que nem o Stan no paraíso só porque ele comeu um animalzinho?
- Richie, você tem retardo?! - Eddie berrou, empurrando o amigo. - Você não pode simplesmente fazer o que lhe der na telha com as pessoas! E se o Stan tivesse alguma alergia?!
- Poxa, calma Eds, assim eu vou ficar magoado.
- Não me chama de Eds! - Eddie empurrou Richie novamente, dessa vez com mais força, fazendo-o revidar com um soquinho leve até que os dois estavam trocando tapinhas como crianças.
Pela visão periférica, Gracie viu que Stan continuava cambaleando pelas margens do rio. A garota foi ajudá-lo enquanto Beverly e Mike separavam Richie e Eddie.
- Stan, você está be-
Quando o garoto se virou, Gracie pode ver que seus lábios começavam a inchar e apresentar algumas manchas vermelhas.
- Minha boca tá coçando... - Stan disse, com preocupação.
- Hã, pessoal... - Gracie recorreu aos amigos.
- Ai, puta merda! - Eddie se aproximou de Stan, segurando-o pelos ombros. - Ele tem alergia! Alguém tem antihistamínicos aí?
- Ah, claro, deixa eu só pegar minha maleta de primeiros-socorros. - Richie fingiu vasculhar algo atrás de si.
- Sério?!
- Não, Eddie! Eu não tenho a porra dos antihispanicos ou seja lá como essa merda chama!
- P-p-pessoal! - Bill interveio, puxando Stan consigo. - P-p-precisamos l-levar ele pro ho-hospital agora!!
Todos correram para suas bicicletas - Gracie na garupa de Richie, Stan na de Bill e Bev na de Ben - e saíram rapidamente em direção ao hospital.

***

Mais tarde, no hospital, Eddie insistiu para que entrasse junto de Stan na sala. O garoto podia ser tão persuasivo e irritante quanto a mãe, quando queria, por isso, os médicos e enfermeiros o deixaram entrar.
Na sala de espera, todos os outros colegas esperavam em silêncio, olhando para o teto ou para os próprios pés. Ou mesmo folheando algumas revistas sobre mobílias. Richie, embora tentasse se manter alheio a toda situação, começou a suar desesperadamente, de modo que seu óculos mal parava em seu nariz.
Gracie, ao perceber isso, soltou um riso abafado.
- Não foi sua culpa. - Ela disse, esbarrando propositalmente no ombro do colega. - Quer dizer, dar carne de porco pro Stan sabendo que ele era judeu foi ruim. Mas você não sabia que ele era alérgico. Na verdade, acho que nem ele sabia.
Richie riu, levantando os óculos mais uma vez.
- Pelo quê Eds disse, ele só precisa tomar alguns remédios e logo vai estar bem. Eu ficaria bem mal se, além de matar meu amigo, também tivesse comprometido sua entrada no céu ou algo assim.
Os dois riram até chorar, imaginando como seria ser barrado bem na porta do paraíso.
Enquanto Gracie limpava as lágrimas dos olhos, Richie disse, num tom sério inusual.
- Eu preciso te dizer uma coisa, Gray. Bem, pode não significar nada, mas acho que você deveria saber... - A menina ficou em silêncio automaticamente, sentindo o rumo sombrio que a conversa tomava.
"Eu tive um sonho com a Coisa. Bem, na verdade, tinha mais a ver com você. Eu estava nos Buracos de Morlocks, no Barrens. A Coisa aparecia na minha frente, mas dessa vez ela não estava como um monstro ou um palhaço. Ela estava como... Você."
Gracie engoliu em seco, imaginando a Coisa usando seu rosto como uma máscara. Falando com a sua voz.
- Isso não quer dizer nada, é claro. - Richie deu de ombros. - Mas é que, se isso acontecer. Se a Coisa tiver descoberto minha fraqueza, eu não sei se posso fazer isso. Não sei se consigo matar a Coisa enquanto olho nos seus olhos. - O garoto desviou o olhar, as bochechas tomando um tom rosado. Gracie não conhecia Richie há muito tempo mas podia sentir que ele não se abria assim com qualquer um.
Gray segurou a mão do amigo com ternura.
- Quando chegar a hora, você saberá o que fazer, Richie. - Os dois se encararam em silêncio, a sala de espera do hospital se tornando apenas um borrão em volta deles. - Além do mais, acho que nem mesmo a Coisa aguentaria suas piadas, essa é sua arma secreta.
Os dois riram, ainda se olhando.
Nesse momento, a porta do corredor do hospital se abriu de supetão. Eddie saiu, passando a mão sã pelo cabelo.
- Ele já está ótimo, ficou recitando a Torá o tempo todo pra se certificar que o formigamento dos lábios estava passando - Eddie revirou os olhos. - Mas ele só vai poder sair quando o pai dele vier buscá-lo. Ele sai do trabalho só de madrugada, então acho que ele vai ter que passar a noite aqui.
- T-t-tem certeza q-que é se-seguro?
- Não podemos ficar com ele? - Beverly disse, preocupada.
Eddie balançou a cabeça, com tristeza.
- Vai dar tudo certo. - Gracie se pronunciou. - Logo o pai dele virá buscá-lo e ele sequer vai ver o tempo passar, provavelmente vai dormir naquela maca. - Ela sorriu, pra aliviar a tensão.
- Gracie tem razão, ouvi dizer que hospitais dessa região são bem seguros. - Ben sorriu junto. - Amanhã podemos encontrá-lo no Barrens e tudo estará bem.
Os Otários se despediram brevemente e voltaram para as respectivas casas. Dessa vez, Richie é quem dava carona para Gracie. O relógio da torre tocava cinco horas da tarde quando eles passavam pela colina Up-Mile.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 25, 2018 ⏰

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