Capítulo 32 - Sete Montanhas

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Quando a preocupação estava chegando no limite, ele se lembrou que poderia ligar para Karol. Talvez tivesse apenas acabado a bateria de Cait. Karol atendeu no primeiro toque, e Sam se identificou rapidamente como marido de Caitriona.

— Eu estou tentando falar com ela, mas ela não atende o celular — Sam falou, tentando manter a preocupação sob controle — Ela está aí contigo?

— Não, nós saímos juntas hoje de manhã, ela disse que me ligava de tarde mas não ligou — Karolina explicou — Fiquei esperando por ela, até peguei no sono aqui no hotel, mas ela não apareceu .

Nesse momento Sam entendeu que algo muito errado estava acontecendo. Despediu-se de Karolina, pedindo que ela ligasse caso tivesse notícias de Cait, pegou seu casaco e saiu com o carro. Ele sabia que era uma busca infrutífera, pois não fazia ideia de onde poderia encontrá-la na cidade, mas não podia simplesmente ficar sentado em casa esperando ela aparecer, ou alguém dar noticias. Quando percebeu, estava subindo a estrada para a casa da montanha. Fora mais uma decisão irracional dirigir até ali, mas quando viu o carro dela estacionado na frente da casa, relaxou um pouquinho. As luzes da casa estavam todas acesas. O coração continuou apertado conforme ele entrava, pensando em mil cenários catastróficos que poderia encontrar ali, enquanto passava de cômodo em cômodo, procurando por ela.

Encontrou-a no banheiro, ajoelhada no chão, a barriga pendendo sobre seu corpo, uma faquinha de cozinha na mão. Se ela tinha percebido sua presença ali, não demonstrou, apenas continuou cravando a faca no recém-colocado rejunte do piso, retirando-o com furor. Ele apenas observou-a por um momento, plantado a porta, tentando entender o que estava acontecendo ali.

— Se não tem nada para falar, vá embora — ela falou de repente, sem desviar os olhos do que estava fazendo. Ela tinha percebido ele ali, afinal.

— Cait, o que está fazendo? — Sam perguntou, ainda parado a porta.

— Exatamente o que parece: estou tirando esse maldito rejunte que o desgraçado do pedreiro colocou errado — ela disse friamente — Eu avisei que não era essa cor, disse dez vezes que não era esse que eu queria, daí eu chego aqui e me deparou com isso! — ela largou a faca, limpando o suor que escorria da testa. Fazia frio ali, mas ela estava suando.

— Você não deveria estar fazendo esforço — ele disse, com medo de se aproximar e ser alvo de sua fúria.

— Eu deveria fazer o que eu quiser fazer. E se eu quero arrancar esse rejunte com as unhas, eu vou — disse entredentes. Ainda não tinha olhado para ele.

— Cait — ele deu mais um passo em direção a ela — vamos para casa, querida.

— Eu estou em casa — ela urrou, olhando para ele por fim. Ele preferia que não tivesse olhado, pois seus olhos queimavam em fúria. Não, o rejunte não era o único problema.

— Tudo bem. O que aconteceu, Caitriona? — perguntou, e ela desviou o olhar, pegou a faca e voltou ao trabalho — Largue isso — Sam se aproximou de vez, tirando a faca da mão dela. Ajoelhou-se em frente a ela, encarando-a — Isso não é seu trabalho. Deixe que os pedreiros o façam amanhã.

— Aconteceu, Sam, que estou cansada dessa maldita obra dar errado. Estou cansada de ter que esperar até amanhã para as coisas serem resolvidas — ela disse, segurando seu olhar — Aconteceu, Sam, que você só pensa em si mesmo.

A última parte o confundiu. Levou alguns segundos para conseguir fechar a boca que abrira em surpresa ao seu discurso e conseguir formular uma frase coerente.

— Como assim, só penso em mim mesmo? — questionou.

— Você é um desgraçado egoísta que não tem um pingo de amor próprio — ela urrou — Você passou três dias perdido numa montanha congelada, Sam. Três dias! Poderia ter morrido! De fome, de frio, de sede. Graças a Deus nada te aconteceu. Eu agradeço todos os dias por isso... mas agora você vem me dizer que pretende voltar? Que vai escalar na neve de novo?!

Então tudo fez sentido. Durante o almoço, dentre os inúmeros assuntos que conversara com Peter, ele comentou que estava organizando uma escalada com Cameron McNeish no começo de dezembro. No ano anterior eles tinham ido juntos e tinha sido incrível, e ele estava super empolgado por poder repetir. Não percebera que Cait estava prestando atenção à conversa, uma vez que parecia concentrada no papo sobre enxoval de bebê com a mulher de Peter, mas logo depois ela foi embora. E, pensando bem, ele tinha mesmo percebido que a expressão dela mudara. Ela jamais conseguia esconder seus pensamentos, seu rosto sempre entregava tudo, e no momento em que fora embora, ela estava com aquela típica cara de "preferia estar morta". Ele deveria ter percebido antes.

— Eu não tenho medo, Caitriona — ele disse, simplesmente.

— Pois deveria ter! — ela berrou, cravando a faca no rejunte úmido — Como é que vai ser quando o bebê nascer? Vou criar ele sozinha então? Porque já até imagino você todo fim de semana indo escalar sete montanhas e me deixando sozinha com a criança!

— Caitriona, não fale absurdos — ele respondeu, tentando não se descontrolar.

— Quer saber, eu falo sim! Eu vou falar todos os absurdos que eu quiser, porque é um absurdo isso! Como pode você não ter o mínimo medo de morrer? Como pode isso? — ela levantou-se, buscando apoio no vaso sanitário para se equilibrar. Ele sentiu um impulso de ajudá-la, mas sabia que ela recusaria — Isso não é justo, Sam! Essas coisas tem que ser discutidas!

— Pelo visto a discussão seria apenas você dizendo que não posso ir. Pois bem, você não manda na minha vida — ele disse, finalmente perdendo o controle — Eu amo as montanhas. Não, eu não tenho medo de morrer. E sim, eu vou voltar a escalar.

Cait apenas o encarou, seu rosto estava vermelho, os lábios cerrados numa linha fina, os olhos ardendo. Quando ela fez menção em abrir a boca para replicar, ele deu-lhe as costas.

— Lide com isso — ele murmurou, saindo do banheiro, deixando-a ali, atônita — E não me espere em casa essa noite — bateu a porta atrás de si. 

Kiss meWhere stories live. Discover now