7 - Um reencontro traiçoeiro

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     Guido piscou inúmeras vezes e esfregou os olhos. Beliscou o braço discretamente para ter certeza de que não estava sonhando - não seria a primeira vez que Silvie o visitava em seus devaneios inconscientes. A imagem dela corajosamente de pé diante de um Jeor caído e zonzo estava nítida o bastante para que o garoto se sentisse seguro, embora soubesse que o veneno ainda se espalhava por seu corpo. De um segundo para o outro ele de repente estava convicto de que, de algum jeito, Silvie encontraria algum tipo de antídoto e o salvaria como fez há um ano. Simples assim, a esperança começou a crescer e tomar espaço em seu coração e seu coração começou a bater num ritmo mais calmo.

     Havia, no entanto, algo que Guido não compreendia. Como Silvie havia sobrevivido todo esse tempo no sangrento Bosque de Antazes completamente sozinha? A metade do bando de Jeor foi morta em um único dia, então eram pouquíssimas as chances que uma garota como ela tinha.

     - Estou cansada de gente da sua laia entrando aqui - Silvie rosnou, fitando Jeor com raiva. Ele era o alvo de seu olhar tempestuoso e ela parecia furiosa. - Já não basta tentar matar os animais, agora vocês querem matar pessoas também?

     Jeor permaneceu abaixado, com o rosto escondido entre as mãos. Ela o acertara com força, mas ele estava coberto de sangue antes disso, portanto não havia como saber quanto estrago Silvie tinha feito.

     - Ei, caçador! - Silvie cutucou as costelas de Jeor com a ponta do pé sujo e descalço, impaciente. - Estou falando com você, seu verme des... 

     Num movimento veloz e traiçoeiro, Jeor segurou a canela fina da garota, puxando-a para o chão e caindo sobre ela. Guido ficou espantado com a destreza do homem.

     - Quem é você? - Jeor perguntou a Silvie, segurando os dois pulsos dela contra a terra com as duas mãos.

     Habilidosa, Silvie chutou Jeor bem no meio das pernas e tentou empurrá-lo de cima de seu corpo, mas ele aguentou firme e intensificou a força em seus músculos para prendê-la contra o chão. Silvie se debateu furiosamente, mas Jeor era mais forte e parecia mais determinado que ela.

     - Quem é você? - ele repetiu a pergunta, o rosto a centímetros do dela.

     Silvie olhou feio para ele. E cuspiu em seu olho.

     - Maldita! - Jeor praguejou, virando o rosto.

     Guido cambaleou até onde os dois se atracavam e tentou puxar o caçador de cima de sua salvadora, usando toda a força que seus músculos pouco exercitados lhe proporcionavam.

     - Ei, solte-a! Solte-a! - perdiu a Jeor. - Eu a conheço!

     Jeor olhou para o garoto, surpreso. Silvie também o encarou, como se de repente tivesse se lembrado da presença dele ali.

     - Conhece? - a voz de Jeor soou cortante de incredulidade. - Tem certeza?

     Guido assentiu.

     - Sim.

     Os olhos de Jeor voltaram ao rosto de Silvie e o analisaram durante alguns segundos até ele finalmente soltá-la e sair de cima dela. Ele tocou a própria cabeça com cuidado na região da nuca e notou que estava sangrando - o olhar que lançou para Silvie não foi nada bonito.

     Guido se aproximou de Silvie e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, mas ela o ignorou totalmente e ficou de pé sozinha. Seus olhos, de uma cor que Guido tentara desenhar tantas vezes mais ainda não sabia definir, fisgaram os dele e pareciam furiosos e apreensivos. Silvie esticou a mão e agarrou a gola da camisa de Guido, sacudindo-o. Ela já não era tão mais alta do que ele como há um ano.

A Raposa [VENCEDOR 'THE WATTYS 2018']Onde as histórias ganham vida. Descobre agora