O Réquiem de Uma Imortal - Verso 1

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Eles estavam velhos. Velhos, ultrapassados e esquecidos.

A luz dourada que banhava minha morada já não era mais a mesma, há muito os cânticos e oferendas haviam cessado. Vozes foram caladas, templos foram esquecidos.

Nossos dias agora eram uma sucessão de momentos e sensações decoradas, não havia mais surpresas, nem jogos, nem prazer.

Cheguei à presença do meu irmão, o Senhor dos Raios, a fim de pedir sua autorização para deixar nossa morada e me aventurar uma vez mais entre os mortais, para descobrir o que os motivava nessa nova Era.


Me recordo que meu irmão parecia ainda mais velho, mais apático. O Relâmpago já não assustava ou fascinava os mortais como antes. Não, eles não se amedrontavam mais com aquilo que podiam explicar.


A resposta me veio com um olhar de quase asco.

Quem eu pensava que era para me rebaixar a tamanho absurdo? Viver entre eles? Entre aqueles que há milhares de anos não passavam de peças de xadrez em nossas mãos imortais?

Saí da presença de meu irmão, ferida no ego. Se ele havia abandonado seus instintos, sua posição e sua natureza após tantas eras, era algo que somente a ele dizia respeito.

Mas eu não! Não a mais bela criatura existente. Nascida em perfeição, saída da espuma do mar, desejada pelos deuses e invejada pelas deusas.

Nunca fui de respeitar hierarquia ou comandos, que confirmasse meu grosseiro marido coxo.

Me despedi de meu filho, o Amor em corpo infante, mas não troquei palavra com meu amante, a Guerra. Sabia que tal decisão causaria a ira de meu amado e bastava a mim a fúria de meu irmão.

Tomei a mais exuberante forma feminina já vista e retirei-me de minha morada.

Desci do alto do monte sagrado, o lar dos imortais, oculta em mantos celestes. Sem olhar para trás deixei a luz do limiar da sonolenta aurora tocar meus ombros, decidida a não tolerar mais ser rebaixada a meros mitos. Os mortais provariam mais uma vez de meu poder em sua essência. Ocuparia novamente seus sonhos febris, seus corações palpitantes.

Sim, me rebaixaria, viveria entre eles se isso significasse sentir novamente seus instintos lhes tomarem o corpo. Descobriria quais eram os desejos que os mortais dessa nova Era traziam consigo.

Seria a senhora que um dia fora. A beleza, a vaidade, o desejo.

O Amor.

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