1

11 0 0
                                    


        A selva de pedra era um ambiente familiar a Rebecca, acostumada com os arranha céus, o barulho dos carros e os holofotes falsos, acabou por escolher uma bela cobertura para passar o resto de seus dias saboreando um bom vinho, desfrutando de sua própria companhia. Outras mulheres a chamariam de louca, sua mãe, tinha certeza disso, seria a primeira a fazê-lo, se pudesse. Mas ela era diferente, sua ideia de loucura era bem peculiar. 

        Os imensos prédios eram, para ela, o reflexo de sua alma. Imponentes, fortes e, principalmente, admirados, desejados. Mas, obviamente, nem sempre foi assim. Em um passado distante, que ela fazia questão de manter preservado em sua memória para não cometer os mesmos erros, havia sido vulnerável, fraca e ingênua. Sim. E ela se odiava por isso.

        O celular tocou, interrompendo seus pensamentos e ela deslizou sua mão pela mesa de vidro para pegá-lo. O nome de seu sócio apareceu na tela, e ela fez uma cara de desgosto, mas, infelizmente, precisava atender.

         - Olá, Caio! Ao quê devo a honra?

         - Desculpe ligar neste horário, sei que é sexta-feira e você deve estar exausta, o dia foi puxado. Mas preciso da sua aprovação para contratar um estagiário.

         - Estagiário? Não estamos precisando de um,  afinal, já temos.

         - Receio que não temos mais. Ele pediu demissão. Fará um intercâmbio no próximo mês.

         - Tudo bem, mas isso não é algo urgente. Poderíamos conversar na segunda-feira.

         - Sim, mas é que encontrei um candidato ótimo, tem ótimas referências, então, pensei que pudéssemos conversar para resolver essa situação.

        Rebecca sabia exatamente o motivo da ligação sem nenhum motivo aparente indicando urgência, às 22h30 em plena sexta-feira. Caio era sócio minoritário do escritório e ambos trabalhavam juntos há anos. Ela gostava de sua forma de conduzir e solucionar os pepinos de cada dia, e também o achava bastante competente, o que, para ela, era uma qualidade indispensável para qualquer um que quisesse trabalhar ao seu lado. No entanto, partindo do campo profissional para o pessoal, Caio havia feito a escolha errada em sua vida, deixando seu interesse pessoal por ela transparecer. Tinha o dom de arrumar desculpas para estar ao lado dela, mesmo sendo advertido diversas vezes pelos advogados do escritório , inclusive, por Rebecca, acerca de suas intenções. E desta vez não seria diferente.

         - Caio, ligue para o rapaz e o avise para que vá segunda-feira ao escritório. Lá, conversaremos melhor. Agora, se me dá licença, preciso dormir.

         - Você não vai sair, hoje?

         - Resolvi desfrutar de minha própria companhia.

         - Se quiser, posso acompanhá-la.

         - Estou bem. Boa noite, Caio. Segunda conversaremos.

        Ela levantou-se da cadeira, pegou a bolsa que estava sobre o sofá, a chave do carro e saiu para desfrutar de mais uma sexta-feira na companhia de sua boa e velha amiga: a balada.



Alma DespidaWhere stories live. Discover now