Capítulo Único

5 0 0
                                    

Sua velha mãe, já falecida – que os deuses a tenham –, diria que havia naquele dia um sol para cada baiano vivo. Chegando à temperatura dos trinta graus na sombra, o sol incessável castigava a nuca de Augusto desde o momento em que este desceu do ônibus e começou a subir a ladeira em direção àquela velha casinha que parecia ser sua última esperança.

Casados há oito meses, Augusto e sua mulher agora esperavam um filho. A notícia da gravidez havia sido recebida com alegria e, por parte de Augusto, também com muita preocupação. Isto porque ele ainda não tinha emprego fixo e lutava para terminar a faculdade de jornalismo. Trabalhava durante o dia e estudava à noite, e já havia precisado trancar o curso por duas vezes, por não ter condições de pagar. Maria, sua esposa, trabalhava como caixa de supermercado e dizia a ele que continuasse firme nos estudos e não se preocupasse, porque os deuses não deixariam seu filho – ou filha – passar fome, desde que mantivessem sua fé.

Mas Maria e a criança que estava por vir eram a única coisa que Augusto tinha na vida. E ele queria poder dar a eles algo melhor do que a vida medíocre.

Estava cansado de fazer bicos por aí. Já havia escrito colunas sociais em jornais de bairro, resenhas do último jogo do Bahia contra o Vitória e panfletos sobre o circuito turístico de Salvador. Quando a necessidade apertava, deixava o orgulho de lado e aceitava bicos que nada tinham a ver com o jornalismo. Por isso, tinha experiência em atividades como lavar telhados e pintar muros de escolas. Mas sua grande paixão era o jornalismo investigativo. E, agora, mais do que nunca, Augusto precisava que sua paixão fosse também sua fonte de renda.

Naquela semana, o desaparecimento do jovem Raimundo dos Anjos, 19 anos, na escuridão da Lagoa do Abaeté, tinha dado o que falar. O corpo ainda não havia sido encontrado, mas era apenas uma questão de tempo. Não era a primeira vez que alguém se afogava naquelas águas traiçoeiras. Possivelmente, o corpo havia se enroscado em alguma coisa no fundo da Lagoa, e por isso não boiou. Se conseguisse escrever uma matéria primorosa sobre o ocorrido, Augusto poderia vender a uma boa quantia para algum jornal de Salvador. Poderia, até mesmo, ser contratado. Por este motivo, ele não queria apenas cobrir as buscas da polícia: Queria trazer novas informações, novas perspectivas.

Esta busca por qualquer coisa que o fizesse se destacar tinha o trazido até aqui, nas redondezas do Abaeté. Suando sob a camisa social, Augusto havia finalmente chegado à casa da senhora que, segundo fontes da vizinhança, havia sido a última a ver Raimundo com vida. A idosa não tinha telefone, então Augusto não sabia se ela estaria em casa. Podia apenas torcer para não ter perdido a viagem.

Nenhuma campainha à vista. Ele bateu palmas e esperou, atento. Logo, a cortina por trás de uma das janelas se mexeu, e ele viu uma cabecinha grisalha aparecer por entre o tecido amarelado pelo tempo. Mas, antes que Augusto pudesse dizer qualquer coisa, aquela cabecinha sumiu, tão rápido como apareceu.

Momentos depois, a porta de ferro e vidro da entrada da casa se abriu com um rangido, e dela, saiu uma senhora baixinha e encolhida, de pele tão escura quanto uma noite sem lua e fartos cabelos brancos, presos em um coque apertado. Usando roupas amarelas, ela parecia frágil, como se fosse desmontar a qualquer momento, mas vinha andando rápido em sua direção.

- Dona Januária? – arriscou Augusto, incerto.

- Entre, entre – respondeu ela, buscando em um grande molho de chaves qual era a correta para abrir o cadeado do portão.

- Dona Januária, com licença, eu sou jornalista, se a senhora não estiver ocupada, eu gostaria de conversar sobre o Raimundo, o menino que desapareceu na lagoa...

Ela parecia não se importar. Talvez nem mesmo estivesse ouvindo-o.

- Entre, entre – disse ela mais uma vez, guiando o rapaz até a pequena sala de sua casa. Naquele espaço apertado havia uma estante, de madeira velha e pesada, onde uma televisão de tubo sintonizava muito fracamente um canal religioso. Porta-retratos com fotos em preto e branco da extensa família e toalhinhas de crochê completavam a decoração. Um sofá de três lugares com almofadas floridas se espremia em uma parede – a da janela –, e, na outra, um velho de pele tão escura e cabelos tão brancos quanto Dona Januária repousava de olhos fechados em uma cadeira de balanço de estofado vermelho.

O Abaeté não é só uma lagoa escuraTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang