Capítulo 19 - Apenas respire

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Ela vinha chamando o bebê de ervilhinha há alguns dias, e Cait até que tinha gostado do apelido fofo. Pelo menos não era um nome. Nomes a fariam alimentar esperanças. Ervilhinha ainda era algo impessoal. Além disso, segundo o app que instalara em seu celular, o bebê nem tinha mais o tamanho de uma ervilha, e sim de uma ameixa.

– Eu quero contar pra ele, mãe, eu quero muito. E quero acreditar que o bebê vai ficar bem, que eu vou ficar bem, mas não consigo. Eu sinto que tem algo errado comigo. Sinto que nesse exato momento meu corpo está lutando para expulsar meu filho de dentro de mim – a agonia em seu olhar dizia tudo – E por isso não quero falar pra ele, mãe. Eu não suportaria vê-lo despedaçado quando esse bebê não vingar. Eu não suportaria ter que cuidar ele quando eu estiver destruída. Eu tento, com todas as minhas forças não me apegar, não alimentar esperanças, mas é impossível. Eu já amo esse bebê com todo meu ser. Eu já amo esse bebê mais do que a mim mesma, mãe.

– Eu sei, minha vida. Eu sei como é amar alguém que você ainda nem conhece – Anne deu um pequeno sorriso, lembrando-se dos sentimentos que tivera ao engravidar – Mas você já está saindo do período de risco. Falta tão pouco, e depois... depois você vai ficar bem. Vocês todos vão ficar bem.

Caitriona se levantou, foi até o sofá, onde havia deixado sua bolsa ao chegar em casa. Abriu o ziper e depois de um instante retirou um envelope. Dentro dele continha a primeira "foto" da ervilhinha. Uma mancha escura, delineando os contornos da cabeça, os membros inferiores se embaralhavam um pouco. Ela podia ver claramente o nariz e a boquinha aberta. Conseguia imaginar a si mesma segurando o bebê no colo, o embalando, ouvindo sua respiração ao dormir. Mas não passava de um sonho. A médica havia lhe entregue no último ultrassom, um dia antes da viagem, e a aconselhara a contar a Sam. Ela guardara o envelope sem nem olhar.

– Eu vou contar pra ele, mãe – Cait falou, secando as lágrimas que escorreram ao olhar a ultrassonografia – Assim que ele voltar, vou contar tudo.

– Já não era sem tempo, querida – a mãe sorriu, puxando a foto da mão dela, para dar uma boa olhada no neto.

Em uma semana ele estaria de volta e ela contaria tudo. Só precisava deixar que ele aproveitasse sua viagem agora e segundo suas contas, ele voltaria apenas quatro  dias antes de completar as doze semanas. Quatro dias. Nada de ruim poderia acontecer em quatro dias. Poderia?

*

Enquanto Sam estava na Patagônia, Cait seguiu gravando, adiantando tudo que podiam para que quando ele voltasse apenas gravassem suas cenas. A quarta temporada estava quase finalizada e ela apenas sentia alívio por isso. Ainda não sabia como lidaria com a quinta temporada, mas pensar em terminar a quarta a deixava mais tranquila.

Nos quatro primeiros dias ela monitorava seus movimentos pelo twitter. Ele parecia tão feliz nas montanhas, parecia que tinha nascido para a neve em suas roupas térmicas. A neve branquinha fazia com que seus olhos parecessem ainda mais azuis e ela só se sentia grata por ser dona daquele homem. Ele era seu. Era pai de seu filho, e seu, de todo coração. Ela tinha certeza disso.

No quinto dia ele deveria descer das montanhas, e voltaria para a Escócia no dia seguinte. Estava com um grupo de quatro amigos, todos loucos por montanhas como ele.

– Caitriona? – Marill bateu a porta de seu trailer. Estavam gravando externas hoje, com Lauren e César. Cait fez sinal para que ela entrasse.

Marill sentou-se no pequeno sofá do trailer. Ela parecia nervosa, apertando as mãos.

– O que houve Marill? – perguntou por fim, já bastante alarmada.

– Eu vim te contar antes que você ficasse sabendo de outra forma – ela falou, evitando olhá-la nos olhos – Eu sei que você e Sam estão juntos, e sei que isso pode te abalar.

– Pelo amor de deus, desembucha mulher – Cait riu de nervoso. O que quer que Marill tivesse para falar não parecia ser boa noticia.

– O grupo de Sam voltou hoje para a cidade... mas Sam não voltou com eles.

– Como assim não voltou com eles? Onde ele está? – Caitriona levou a mão automaticamente ao local onde deveria estar a correntinha que Sam lhe dera, mas encontrou o pescoço vazio, ela estava vestindo o figurino de Claire.

– Parece que houve uma espécie de avalanche ontem no fim do dia, e eles acabaram se separando...

Caitriona sentiu o ar passar sibilando por seus lábios, mas ele não parecia chegar a seus pulmões. Ela sentia como se sua garganta estivesse se fechando e quanto mais forçava a entrada de ar, menos oxigênio absorvia. Seu coração disparava e o suor já estava escorrendo em sua espinha quando Maril finalmente se aproximou, apavorada. A amiga a botou a mão em suas costas, ajoelhou-se em frente a ela, e identificando a crise de ansiedade, começou a guiar Cait para que conseguisse respirar. Inspira, expira. Inspira, expira. Inspira, expira.

Quando a respiração de Cait finalmente se normalizou, Marill estava sentada no chão, a seus pés.

– Cait, nós vamos encontrá-lo, está bem? – ela disse, apertando a mão de Caitriona carinhosamente – Já tem três equipes de buscas revirando aquelas montanhas atrás dele. Vamos encontrá-lo. Apenas respire.

Kiss meOnde histórias criam vida. Descubra agora