Ainda com os olhos vidrados na pequena fortuna, o jovem tentou adverti-la uma única vez.

"Tem certeza de que precisa de minha ajuda? Assim que eu pegar o dinheiro, não aceito devoluções."

A Srta. Chinesa não relutou nem um pouco estender os dois mil dólares.

"Acredite, eu realmente preciso de você."

Dave pegou o dinheiro e notou que parte de si não estava muito feliz com aquilo. Dois mil reais de uma idosa imigrante... Aquelas eram provavelmente as economias de muitos anos. Além disso, tinha a impressão de que os chineses em geral eram pessoas muito supersticiosas. Será mesmo que ela precisava dele?

Com o dinheiro em mãos, Dave contou as notas e separou metade da quantia para devolver a ela.

"Desconto de vizinho" disse, tentando ser um pouco amigável, mas sua vizinha não forçou um breve sorriso sequer. Sua postura estava rígida e seu olhar fixo como quem está a observar um carro vindo em sua direção. Ela certamente estava ansiosa. "Espere aqui, vou me trocar."

Dave fechou a porta e vestiu as primeiras roupas que encontrou jogadas pela sala-de-estar/quarto de seu pequeno apartamento conjugado. Como a questão era no próprio prédio, não se preocupou em calçar nada. Por alguma razão, não se importava em impressionar a Srta. alguma-coisa-ang.

A Srta. Zhou — o porquê de Dave pensar que ela se chamava Wang ou algo similar seria um mistério jamais esclarecido. Talvez a confundisse com alguém de algum seriado — o levou até o seu conjugado, dois andares abaixo.

Embora seu apartamento fosse pequeno e nada luxuoso, Dave havia dado um jeito de, ao longo dos anos em que vivia ali, tornar o lugar aconchegante e agradável para si — e, acreditava ele, para suas visitantes ocasionais. Quando viu o interior do conjugado de Zhou, ficou com nada menos que pena da mulher e sua filha. Se ele passava por dificuldades, imagine elas.

As paredes estavam cheias de manchas de humildade e talvez de outras coisas. Os móveis tinham um aspecto tão miserável que Dave genuinamente acreditava que se fizesse força demais com um dedo sobre eles, eles cairiam. Contudo, o que mais lhe perturbou foi a garota deitada no sofá manchado e mofado, coberta por um lençol que talvez há uns de anos tivesse sido branco mas agora era uma mistura de amarelo com cinza.

"Com licença" disse à Srta. Zhou e então ajoelhou-se diante da jovem.

"Cuidado" advertiu a mãe da garota levando a mão ao peito, assistindo o mais afastada que podia dentro do pequeno apartamento.

Dave colocou sua mão gentilmente sobre o braço da garota.

"Oi, tudo bem? Qual é o seu nome?"

Os olhos vazios da jovem encaravam o telhado. Sua respiração era tão débil que seria fácil supor que ela já estava morta não fosse pelo frio de sua pele, tão intenso que não era característico nem mesmo de um corpo morto.

Sem obter resposta alguma, Dave continuou.

"Meu nome é Dave. Minha mãe queria que eu me chamasse David, mas houve algum problema no dia do registro. Engraçado, não? Dave só tem uma sílaba, então meu nome sempre foi meu próprio apelido. Meio chato quando se é pequeno."

Demorou alguns segundos para que a conversa descontraída do jovem tirasse alguma reação da garota. Se é que a respiração ainda lenta, porém agora mais tensa, forçada para fora, fosse alguma reação satisfatória.

Como uma serpente capaz de sentir as mais sutis vibrações do solo, a afinidade que Dave tem com o espaço ao seu redor permitiu que ele notasse, mesmo estando totalmente de costas para a Srta. Zhou, que ela recuara dois passos ao perceber a respiração alterada da filha.

Algo mais está aqui.

Dave exalou um breve suspiro.

"Bom, se você não vai ajudar, aqui vou eu."

Em apenas um segundo, a garota, enquanto berrava feito um gorila desgovernado, levantou-se no sofá e deu um belo pontapé na cara de Dave. Ai caralho pensou ele enquanto assimilava a dor inflamando em seu rosto. Srta. Zhou gritou de susto. Já vira a filha se portar daquela maneira nos últimos dias. Até mesmo contra si.

Dave mal havia caído no chão quando a garota possessa pulou do sofá em sua direção. Com a força sobrenatural que o espírito possessor tinha, sua vida se findaria ali mesmo caso ela caísse sobre si.

A garota possuída grunhiu de raiva quando seus pés tocaram o chão, deixando duas belas marcas. Seu opoente havia escapado. Mas como? Há meio segundo atrás ele estava caído no chão.

Ela ergue seu olhar, deparando-se com o maldito rapaz apontando-lhe os dedos indicador e médio da mão direita, as pernas dando a ele uma postura firme. Da ponta dos dedos de Dave veio uma poderosa porém contida corrente elétrica que atingiu a filha da Srta. Zhou em cheio, empurrando-a até a parede e fazendo com que ela novamente caísse no sofá.

Inconsciente de novo.

"É. Acho que você fez bem em ter me chamado" disse Dave a ela, que o encarava estupefata. Tudo que dizem sobre esse jovem é verdade.

Dave pôs-se novamente diante da garota e agarrou com firmeza sua cabeça.

"Preciso de seu nome."

"Yuda!" respondeu-lhe Srta. Zhou. "Minha filha se chama Yuda."

"Certo. Não toque nenhum de nós. E caso alguém chegue, não o deixe nos tocar também."

Dave viajou ao plano quiano.

Tudo ao seu redor foi tomado pela energia escura com que ele estava acostumado quando entrava em tal estado. Todas as coisas ao seu redor tomaram a cor similar a um preto vazio, com a exceção da Srta. Zhou, cujo chi emanava sua aura, e pela coisa que estava onde Dave deveria poder ver a aura da jovem.

Até no plano quiano a entidade estava inconsciente. Era um espírito não muito formidável. Claro, o desgraçado tinha uma boa força física pelo que Dave pôde concluir em seu breve confronto, e podia apenas esperar que a possessão do espírito garantisse ao corpo de Yuda alguma curabilidade apurada. Viria a calhar após a rajada elétrica que ela levou.

A aura de Dave tocou a do espírito, e ele simplesmente foi mandado embora.

Livre do malfeitor, Dave agora precisava concentrar-se no espaço ao seu redor. O espírito de Yuda não voltara instantaneamente a seu corpo depois de o espírito ter sido mandado embora.

A uma distância imensurável em medidas terrestres, o espírito da jovem vagava perdido, cercado por objetos sem vida, sem aura, incapaz de entender o que estava acontecendo. Era provável que acreditasse estar em um pesadelo longo, interminável.

Dave projetou-se a seu lado, recebendo em resposta um olhar duvidoso. No plano quiano, as pessoas eram incapazes de vê-la. O jovem era a primeira pessoa a encará-la, e sua presença era confortável.

"Hora de voltar para casa."

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⏰ Last updated: Dec 18, 2017 ⏰

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Asagrado - Os Quatro PresságiosWhere stories live. Discover now