Sentia falta de sua mãe. Sentia falta de ter quinze anos, quando a vida era mais fácil e sua única preocupação era como desviar das broncas de Isabel por que passou a noite inteira no telefone com Ana.

Quando as lágrimas chegaram ao fim, Vitória suspirou. Não demorou muito para sentir uma mão em seu ombro: Aninha, sua irmã, havia assistido tudo desde a chegada da cacheada ao terraço. Se aproximou devagar, enlaçando a cintura da mais velha num abraço.

"Ô, minha irmã..." sussurrou. Ana apenas apertou os braços da mais nova sobre si. Ela e Sabra haviam sido seu porto seguro durante muito tempo, e sabia que, mesmo se o mundo estivesse caindo, as teria.

"O quê que eu faço, hein?", indaga.

Aninha ri.

"Você a ama, Vi." Diz, "Sempre amou. Não é de hoje. Ana não é seu date da noite, é seu date da vida."

Vitória ri com o ditado criado. Assente com a cabeça.

"Ela é. Mas já aconteceu tanta coisa..." murmura, "além de que ela é casada... Ela tem uma filha..."

"Ela ainda é casada com aquele menino mamão? Lembro que quando vi a foto, achei ele com uma cara de menino amarelo, criado com vó. Sou mais tu!" Aninha resmunga, fazendo a loira gargalhar.

Só Aninha pra tirar seu riso mais sincero num momento desses...

"Não sei o que você pode fazer sobre esse casório. Mas, sobre Estrela, meu Benedito, Vitória! Eu nunca vi você ter tanto apreço pela melhora de uma criança como você tem tido com essa garota."

Vitória assente. Realmente, tinha um carinho enorme por Estrela, e queria vê-la bem.

"Sabe, Vi, não precisa se declarar, comprar um buquê de flores, dizer que a ama e que quer casar..." Ana começa, mas parece pensar, "mas, se fizer isso, ninguém vai reclamar!"

Ambas riem.

"O que eu quero dizer é que você não precisa sair da vida dela de novo. Volte a ser a melhor amiga dela, ela voltou de São Paulo, sozinha, com a filha diagnosticada com um transtorno que você sabe bem que não é fácil de lidar... Faça parte da vida dela. Vocês decidiram como essa presença irá colimar."

Vitória parece pensar.

Nestes nove anos separadas, tinha sentido falta de Ana Clara de uma forma absurda. A saudade se escondeu ao passar do tempo, mas sempre existiu. Mais que algo romântico, entre Vitória e Ana sempre existiu a cumplicidade de uma amizade verdadeira.

É preciso entender que o amor e amizade andam de braços cruzados.

"Você está certa..." Vitória diz, limpando alguns resquícios de lágrimas em seu rosto.

Ana apenas sorri, dando alguns tapinhas em seu ombro, "Vai lá. Leve-a pra tomar um sorvete, ver o por do sol. Reafirma essa amizade."

Vitória sorri com a complacência da irmã e beija a bochecha da mesma, voltando para o lugar onde Ana estava. A morena agora estava agachada, ao lado de sua filha, ajudando-a montar um castelo.

"Ei..." Ana escuta Vitória dizer e vira-se para a cacheada, esperançosa, "você ainda gosta de sorvete de flocos?"

Sorri e Ana a acompanha.

"Isso é um convite?"

"Mas é claro que sim."

"Então vamos!" A morena levanta, animada. Com delicadeza, pega Estrela, que agarra um dos blocos de lego. "Filha, deixa aí..."

"Ela pode levar, Ana." Vitória sorri. "Vou só trocar de roupa, certo?"

A morena assente e a cacheada se retira. No mesmo momento, Aninha aparece. A menor percebe o sorriso no rosto da mais velha e acompanha o sorriso, sorrindo internamente.

"Cuida da minha irmã, Ana." diz, "Não deixa ela. Não de novo."

"Farei isso." A morena diz, convicta.

"Ela já teve muitas perdas nessa vida..."

E, ao dizer isso, Aninha se retira, deixando a mais velha com uma grande interrogação na mente. O que teria acontecido?

Seus devaneios são espantados por uma loira. Agora, com um macaquinho soltinho e um sapatinho. Vitória ficava linda de qualquer forma, seja vestida de dinossauro ou casualmente.

E Ana apreciava tanto isso nela...

"Vamos?" indaga. Ana, que agora fitava os olhos verdes amendoados á sua frente, apenas assentiu. Já Vitória, acabou levando para uma Estrela totalmente sonolenta aos braços da mãe. "Acho que essa garotinha está um pouco com sono..."

Ao ver o rosto sereno da filha, Ana sorriu.

Combinaram que iriam em carros diferentes; Ana levaria Estrela á casa de sua mãe e, de lá, passaria para o carro de Vitória.

Ao chegarem na casa da mãe de Ana, a morena se deu conta de que havia feito algumas compras mais cedo e de que precisaria de ajuda para levar, não só as sacolas, mas também a filha para dentro de casa.

Vitória logo se prontificou. Pegou Estrela nos braços com tamanha destreza que até mesmo Ana se assustou. Estrela sempre se incomodou com outras pessoas pegando-a no colo. Até mesmo quando Mike resolvia passar um tempo com a filha, a garota não gostava. Mas com Vitória havia sido diferente.

Entraram pela porta da frente. A casa estava um tanto quanto barulhenta e cheia, como sempre fora. Porém, o barulho cessara bruscamente ao verem Ana e Vitória com Estrela no colo.

Pareciam um casal que haviam acabado de chegar das compras com sua filhinha, que, pela idade, cansou-se e adormeceu.

"Vi?" Monica indagou, um tanto quanto risonha. Sabia da história de Ana e Vitória, mas, mais ainda, sabia de tudo o que havia se sucedido. Além de surpresa, estava feliz.

"Oi, dona Mônica..." Vi sorri amarelo. Todas as cabeças da sala a olhavam, atentas. Luana encarava Ana com uma das sobrancelhas levantadas, e Bárbara fazia o mesmo. "Estrela está fazendo tratamento no meu centro... Convidei Ana e a garotinha para um passeio, mas ela adormeceu, e como Ana tinha as compras, vim ajuda-la a trazer essa princesa..."

"Vitória, sempre tão presente... Diferente de uns..." Bárbara diz, seguida por Luana, que faz sons de tosse, abafando o nome de Mike. Ana as repreende com o olhar e Vitória as olha sem entender.

"Entendi, minha filha. Bom, pode deixa-la no quarto de Ana... Tenho certeza de que você ainda lembra onde é..." Monica ri e Ana revira os olhos.

Uma Vitória, mais vermelha que um tomate, cruza a sala pedindo por licença. Deixa a garotinha na cama e, num movimento totalmente inesperado, deposita um beijo na testa da mesma.

"Dorme bem, anjinho..."

Quando chega á sala, escuta, no final, um "olha lá, Ana Clara...", mas não entende. Olha lá, o quê?

"Aonde vão?" Bárbara pergunta.

"Tomar sorvete."

"É claro que o sorvete será de..." Luana começa, mas é interrompida.

"Flocos." A loira e a morena completam, juntas. Olham-se, cumplices, e todos ali da sala assistem com um sorriso de canto.

Era como ser criança de novo.

Despendem-se brevemente e saem de casa. Ao entrarem no carro, soltam a respiração que não haviam percebido que tinham prendido.

Vitória gira a chave na ignição, olhando para Ana pelo retrovisor.

"Vamos lá?"


Quanto Tempo o Tempo Tem?Where stories live. Discover now