"As almas mais escuras não são aquelas que escolhem existir no Inferno do Abismo, mas sim aquelas que escolhem se libertar do Abismo e circular silenciosamente entre nós."HALLOWEEN — O Início
A luz oscilante do abajur destaca a pilha de revistas "Mestres do Terror" em cima da escrivaninha. Pôsteres do Donkey Kong e Castlevania decoram as paredes, assim como prateleiras abarrotadas de brinquedos e alguns frascos de remédios. Tudo coberto por poeira e teias de aranha.
O quarto é um labirinto de quinquilharias. A janela permanece fechada, mas através do vidro um brilho esquálido ilumina o garoto sobre a cama. As mãos dele vibram, os dedos percorrem um objeto com agilidade. Os olhos são bolotas acinzentadas, a boca adota o formato de "O" e após um bocejo se fecha.
Inspira e expira, pinça as pálpebras.
Recomeça a missão.
Sincroniza as seis faces de seis cores diferentes com tempo recorde. As dores no pescoço incomodam, o fedor de mofo dificulta a respiração, mas nada o impede de registrar na mente a centésima vitória sobre os mecanismos do Cubo Mágico.
O menino observa o relógio e verifica que a meia noite chegou. Joga o Cubo para baixo da cama. Olha em volta. Desliga a luz do abajur e esconde o corpo sob o lençol com estampas do Pac-Man.
Encharca o pijama com suor. Os pés coçam, um formigamento alcança as costas. Gira sobre o colchão, se contorce em agonia.
Não há sono algum.
Senta na cama; a coluna encurvada, mãos no queixo. Vislumbra o isolamento.
As prateleiras, os pôsteres, os brinquedos, tudo retém a escuridão. O guarda-roupa agora se assemelha a um caixão e faz o menino imaginar Bela Lugosi surgindo com presas sedentas por sangue.
Stanley sorri. Aos onze anos sabe que não há nada na escuridão ou sob a cama esperando o momento certo para atacar. Porém, pensar nisso incomoda.
O sorriso desaparece.
O menino abraça os joelhos, fixa o olhar num dos cantos do quarto e relembra o que a mãe dizia quando a visitava no hospital: "É tudo produto da nossa imaginação."
A recordação o conforta até algo deslizar de uma parede a outra.
O garoto treme. Escuta estalos no teto, arranhões no chão, sussurros próximos ao ouvido. Uma gargalhada.
Vultos rastejam nas paredes; entram no guarda-roupa, escorrem para debaixo da cama e escavam o colchão.
Stanley deseja gritar, no entanto a voz se esconde na garganta. Sente o azedume desgastar a língua como as limonadas que toma antes de ver Caverna do Dragão.
Os sussurros se tornam gritos agudos.
O jovem cerra os punhos e fecha os olhos.
As sombras se aproximam pelo forro de madeira, desprendem um odor de comida estragada.
Stanley joga o lençol para o lado e liga o abajur; a luz falha como a respiração de um asmático em crise.
Olhos apavorados correm pelo quarto. O pânico pulsa, rasteja pela coluna. A frieza do medo o toca na nuca com arrepios.
O menino levanta da cama. Corre e aciona o interruptor próximo da porta; a luz do quarto brilha como o Sol. Stanley caminha até o guarda-roupa. Conta até três e abre as portas.
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INFORTUNIUM
HorrorAs trevas alimentam paranóias, camuflam sombras vivas e escondem tragédias. O que fazer quando não é seguro dormir? Pra quem pedir ajuda quando seus pesadelos tomam forma, ganham garras afiadas e presas pontiagudas o suficiente para estraçalhar sua...