Parte I e II

553 47 126
                                    



I

A aurora trouxe uma manhã atipicamente fria.

Johan acordou antes mesmo de a aurora surgir, e antes mesmo percebeu o frio atípico quando teve que sair de baixo do manto que lhe aquecia, feito de pedaços de retalhos que sua mãe havia costurado. Não só o ar congelante mostrou ao jovem Johan que seria uma manhã mais chata para se levantar, mas ao colocar os pés no chão de terra batida, tomou um choque gélido que talvez dispensasse o jovem a ir até a bacia para lavar seu rosto.

A droga da água deve estar pior. Pensou desanimadamente o rapaz.

Sem mais delongas, Johan se pôs sentado, calçou suas botas e foi selar seu gélido destino. Enquanto terminava de se arrumar, as frestas da parede, feita de ripas de madeira já denunciavam o que sua velha tia estava preparando para o desjejum.

Chá Verde e... Talvez aquele pão de anteontem. Arriscou.

Palpite certeiro. Na pequena mesa quadrada, que ficava junto ao pé da simples lareira de barro, estava o pão de dois dias atrás. O chá, claro, estava na pequena caldeira, suspensa acima do fogo e sustentada pela sua alça enroscada em um gancho fundido a uma haste que ia de um canto ao outro da lareira. A luminescência azul da manhã entrava pela janela escancarada que sua tia havia aberto, e entrando junto ao azul, o frio. Logo que Johan sentou-se à mesa, sua tia serviu o chá em sua caneca de chumbo fundido e ele envolveu as mãos na caneca para confortá-las daquele frio incomum.

Sua tia desatou o nó do pano que envolvia o pão de anteontem e depois afagou o cabelo volumoso e castanho claro do rapaz.

-Bom dia, filho - Disse sua tia enquanto ia de um lado para o outro arrumando a cozinha.

-Bom dia, tia Anna – Respondeu o jovem enquanto avançava em mordidas constantes no pão de anteontem.

Têm de ser bom. Aquele dia era importante para Johan. Aquele era o dia em que seria revelado para onde os jovens seriam designados a trabalhar, para o rei e pelo reino de Tallhart. Johan havia se alistado e tinha em mente um só lugar para servir o reino. Só havia um lugar a servir onde orgulharia seu falecido pai e, esse lugar, claro, era na guarda do reino. Fosse na infantaria de lanceiros, na de espadas, com um arco ou até mesmo na pequena frota Tallhartina. Onde quer que fosse, Johan queria – devia - ser igual ao pai. Queria ser a lança de Tallhart. Queria ser a espada de Tallhart. O escudo. Queria ser parte da defesa do reino. Queria ser a maior defesa contra o ataque dos homens do oeste. Desde a última grande guerra em Héstia, ficou a cargo do reino de Tallhart ser a primeira e maior defesa da parte leste do continente.

Johan tinha ansiedade, logo, Johan tinha pressa.

Comeu tão rápido quanto arrumou sua trouxa de roupas, e logo se pôs para fora. Lá fora, se pôs a observar o lugar onde havia crescido. Chamavam o povoado de Vale Camponês, uma região rural que atendia as demandas de grãos do reino. De longe podia ver sua carona. Johan teve a sorte de ser época de recolhimento da safra e conhecia o velho Dusk, um dos mais antigos carroceiros do Vale Camponês. O velho Dusk havia levado seu pai para o reino de Tallhart, seu pai tinha a mesma idade que Johan naquela época. O velho Dusk havia levado o pai e agora estava levando o filho. Tudo o que Johan mais queria era seguir os passos do pai.

- Vai sentir falta desse lugar, meu filho? – Perguntou Tia Anna, saindo de dentro do casebre com outra trouxa nas mãos.

- Muito mais de você, tia Anna – Respondeu o rapaz abraçando-a. Mais uma vez tia Anna acariciou seus cabelos. Daquela vez Johan reparou no cabelo da tia, era um mesclado de castanho claro e grisalho, preso com um fino e escuro pedaço de vareta. Como o tempo passou. Observou. – O que tem aí tia? – Perguntou.

A SentinelaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora