"Relembrar é Sofrer"

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—Não Larissa. É muito mais que isso. Eu... Não sou tão santo assim como você imagina.

Seu sorriso se desfez de seu rosto ao ver que eu falava sério.

—Então... O que você fez?

—Eu cometi alguns erros durante minha vida. Especificamente, depois da morte da minha mãe, quando eu era adolescente.

Larissa ficou em silêncio esperando que eu continuasse. E não vi outra opção. Era realmente agora, não teria outra oportunidade nem a coragem que sentia agora.

—Eu me envolvi com algumas amizades erradas. Alguns garotos do orfanato, que conheciam outros das ruas que... Bom, você sabe, é um ciclo.

—Não, eu não sei, mas continua.

—Depois que os tios adotaram o Sam e eu fiquei sozinho, eu virei presa fácil dentro daquele lugar sabe. Nesses lugares existem dois tipos de gente: os individuais que não falam com ninguém e os rebeldes, revoltados com a vida pelo simples fato de serem órfãos. Porém, eu não culpo esses, afinal sei como é agir como um idiota para ter a atenção que você não teve dos pais. Bom, até então eu era um dos que não falava com ninguém. Sam era uma anomalia, que estava sempre sendo legal com todos e ao mesmo tempo seguindo cada regra, agindo sempre direito e inocentemente. Quando ele foi embora... Eu não tinha mais porquê não me juntar com os outros. Ele me acostumou a ter a companhia de um amigo, eu que era totalmente isolado. Então quando ele foi embora...

—Você já estava acostumado e precisou procurar novas companhias... — completou Larissa.

—Isso. — respondi. —E eu encontrei. Alguns adolescentes que sempre estiveram no orfanato com a gente e outros que eram recém chegados. Todos conhecidos por serem problemáticos.

—Ainda não vi o porquê disso ser preocupante.

—Nós já não andavámos muito certo e vivíamos aprontando, fugindo da polícia, etc. Um bando de delinquentes. O problema começou quando um dia eles começaram a bolar um "abastecimento". Sabe como é, um bando de adolescentes sem grana alguma, em busca de se ver livre e independente daquele lugar, da comida daquele lugar, da cama, de tudo...

—Espera. Um "abastecimento"?

—Sim... — suspirei. —Um termo mais suave para o que na prática eu chamaria de assalto.

—Ah...

—Então, todos do grupo iam participar. Desde garotos de 13 anos até os mais velhos de 17. Prometeram que no final estaríamos todos longe dali com grana suficiente para sobreviver.

—E você acreditou?

—E eu acreditei. De certa forma, eu entendo porque eles eram assim. Enfim, o líder, o mais velho do grupo que estava prestes a fazer 18 anos e nunca fora adotado se via prestes a ter que sair do lugar, pra viver a mercê de nada. Acho que no fundo o plano todo se resumia em ele conseguir dinheiro pro que vinha a seguir em sua vida. De qualquer jeito, todos nós nos metemos nisso. A princípio o plano era simples e cada um tinha um papel. Em uma madrugada nós sairíamos depois do toque de recolher e iríamos até o mercado que ficava perto do orfanato. Era bem movimentado, o mais movimentado do bairro aliás, funcionava 24h então nesse horário estaria apenas o dono ali e provavelmente alguns poucos funcionários, as ruas estariam desertas e poderíamos agir. Ele, o líder, iria se encarregar de distrair o gerente enquanto outros ficariam vigiando do orfanato pra garantir que não sentiriam nossa falta. Outros iriam ficar do lado de fora pro plano de distração e eu mais alguns faríamos a limpa dentro do mercado.

Larissa ouvia tudo atenciosamente, sem perder uma informação sequer.

—Tava tudo dando certo. Os cuidadores do orfanato não estavam por perto, a rua estava deserta como planejado, e Kyle conseguiu distrair o dono para fora da loja. Eu e meu grupo entramos então, e começamos a pegar tudo de mais caro, também coisas básicas ao dia a dia, e no fim limpamos os caixas. O que ninguém esperava era que...

Perfeitamente QuebradosOnde histórias criam vida. Descubra agora