Mas vamos ao que interessa. Há alguns dias, minha vida virou de ponta cabeça. Ainda permaneço sentada pensando na ligação que recebi do meu irmão. Era dia 09 de setembro, uma semana atrás. Eu estava dormindo, quando o  telefone tocou ao som de American Idiot da banda norte-americana Green Day. Mesmo semiconsciente, eu ri. Como sempre acontecia quando Gabriel me ligava, esse era o toque dele. Quando me mudei para Nova Iorque, ele me olhou e disse "Não se torne mais idiota do que já é, pentelha. Não seja mais uma americana idiota" e apesar da música significar muito mais do que isso, ela me lembrava do meu irmão, e desde então esse passou a ser o seu toque. Peguei o telefone meio grogue e atendi.

— Você sabe que são 03:40 da madrugada aqui, babaca?

Isa... — percebi que tinha alguma coisa errada logo de cara. Primeiro, ele não me chamou de pentelha ou de pirralha, ou dos vários outros apelidos "carinhosos" que me deu ao longo da vida. Segundo, que a sua voz estava trêmula, como se ele tivesse chorado. Eu só havia ouvido aquela voz uma vez, que foi quando a primeira namoradinha dele partiu seu coração. Ele prometeu a si mesmo e a todos que jamais choraria por mulher nenhuma, disse que todas as mulheres eram iguais e fez todo aquele drama típico de adolescente. A coisa era pior do que eu pensava.

— O que foi, Gabriel? — ouvi pelo telefone o barulho de porta se fechando e ele falou em um sussurro.

As coisas estão bem complicadas aqui em casa. A mãe e o pai não queriam que eu te ligasse, mas acho um absurdo esconderem uma coisa dessas de você.

— Que foi, cara? Você está me fazendo surtar. Que diabo aconteceu?!

A mãe... — quando ele falou essas palavras, meu coração começou a bater mais rápido que a bateria das escolas de samba do Rio de Janeiro.

— Fala logo! — imaginei mil situações que poderiam ter acontecido. Pensei em acidente de carro, terremoto, tsunami, sequestro, assalto. Mas a última coisa que passou pela cabeça foram as palavras seguintes.

A mamãe está com câncer de mama. Ela fez os exames algumas semanas atrás e parece que se desenvolveu rápido. Por isso, ela deve começar o tratamento o mais depressa possível. Sinto muito que eu esteja jogando isso assim, por telefone... Ainda mais você estando tão longe, mas precisava falar para você. Sei que vocês não se dão muito bem, mas achei que você gostaria de saber.

Fiquei imóvel. Paralisada.

— Isadora? Você ainda está aí?

Lembro que fiquei parada olhando para o quadro a minha frente por alguns minutos que pareceram horas. Vi toda a minha infância passar pelos meus olhos. Pensei sobre o que o Gabriel me disse sobre não nos darmos bem. Era verdade. Lembranças das nossas discussões por coisas tão bestas se passaram pela minha cabeça. Foram tantas cobranças, tantos gritos, tantas decepções.

Nós duas éramos totalmente diferentes, confesso que fazia questão de ser diferente só para contrariá-la. Cada vez que ela tentava controlar o modo como me vestia, como me comportava, eu fazia de tudo para agir exatamente como ela odiava ou até pior. Simplesmente por pirraça. Também não me orgulho disso. Poderia culpar a adolescência, a fase da rebeldia, em que os hormônios se afloram e nos fazem agir como idiotas. Mas não, eu simplesmente era assim desde criança, talvez até desde que nasci. Ou talvez minha mãe tenha me criado dessa forma.

Sempre fui considerada pela minha mãe a problemática da família. Ela podia passar horas e horas reclamando, me comparando com o "perfeitinho" do Gabriel, nunca era demais para ela. Eu sempre era a inútil, a preguiçosa e a incompetente, enquanto meu amado irmão era o Senhor Certinho. Mal sabia ela das coisas que ele aprontava.

LIVRO 1 - Você me perdoa? [AMOSTRA]Место, где живут истории. Откройте их для себя