Pandemia Canibal

37 4 0
                                    

Simone, uma jovem de 25 anos, é uma das poucas pessoas que ainda não se adaptou à evolução da tecnologia. Ninguém se importa com o ecossistema, não percebem que toda essa evolução mais agride do que ajuda, ela sempre dizia. E, por esse motivo, havia se mudado com o marido para um dos poucos locais de ambiente natural que ainda restavam.
Vale da Paz, os habitantes assim chamavam o vilarejo que havia resistido a anos de evolução tecnológica. Havia árvores, fontes naturais de água, o ar era mais limpo do que nas grandes metrópoles e as crianças tinham uma infância de verdade - corriam e brincavam nas ruas, nadavam em córregos e interagiam com a natureza. Diferente dos filhos das grandes cidades que possuíam um dispositivo de realidade virtual para suprir a ausência de seus pais que ficavam fora de casa o dia todo por causa do trabalho.
Simone sonhava em ser mãe, mas ela e seu marido não queriam trazer uma criança àquele mundo artificial. Por isso, quando souberam da existência do Vale da Paz, não hesitaram em mudarem-se para aquele refúgio natural e, quem sabe, começar a construir sua tão sonhada família.
Após meses vivendo no Vale da Paz, Simone e seu marido, Rodrigo, são surpreendidos com a notícia mais aguardada por ambos: a chegada de seu primeiro filho. Simone está grávida de 12 semanas, soube ao abrir o exame junto com Rodrigo. O tão desejado fruto de seu amor está a caminho e, morando no vilarejo, eles poderão apresentá-lo a um mundo de verdade.
Na sala de espera do único hospital do Vale da Paz, Simone aguarda sua vez de ser atendida. Fará exames de rotina, além da primeira ultrassonografia para saber se está tudo bem com o bebê. Sentada numa das cadeiras, ela acompanha o noticiário pela TV disposta na parede. Uma espécie de vírus mortal assola metade da Europa e se espalha rapidamente através dos países.
Já são milhares de mortos em apenas três semanas após seu aparecimento. O vírus mortal - de origem ainda desconhecida -, chamado pelos cientistas de AP64, espalha-se rapidamente pelo organismo humano e o contágio se dá pelo contato com fluídos corporais do infectado. Os sintomas iniciais eram semelhantes ao de uma gripe comum (dores de cabeça, febre e calafrios), mas em menos de uma semana, o vírus avançava, alcançando o sistema nervoso da vítima, a fazendo ficar violenta e aflorando instintos canibais, onde a pessoa, além de querer atacar quem estivessese por perto, também se automutilava comendo a própria carne até a morte.
Simone ficou chocada. E, pela primeira vez, desejou com todas as forças que todo o avanço tecnológico que tanto odiava fosse capaz de erradicar o AP64 enquanto ainda não havia chegado ao Brasil. Queria viver para criar seu bebê e, mais do que tudo, queria que ele (ou ela) tivesse uma vida tranquila e feliz.
Chegou a vez de Simone se consultar. Estava tudo bem, a gestação evoluía perfeitamente e era um menino.
Após poucos meses, o AP64 já havia se espalhado por todo o mundo. Uma verdadeira pandemia canibal, era como a mídia tratava o caos causado pelo vírus. A cura ainda não fora encontrada, muito menos algum tipo de medicamento que imunizasse aqueles que ainda não foram infectados. Países pequenos foram quase que completamente dizimados. Há centenas de milhares de corpos esperando para serem cremados. Em toda a história da humanidade nunca se soube de tamanha tragédia.
Simone, em suas últimas semanas de gestação, passa a maior parte do tempo trancada em sua casa. O vírus já fez dezenas de vítimas no vilarejo. Uma delas, seu marido Rodrigo. Foi horrível vê-lo preso num quarto isolado do hospital sem poder fazer nada. Agora ela se encontra sozinha e precisa se cuidar para a chegada de seu filho.
Ao retornar de sua última consulta antes do nascimento do bebê, Simone sente-se subitamente fraca ao chegar em casa. Dor de cabeça forte, calafrios por todo o corpo. Claramente, sintomas do vírus AP64. Ela não pode acreditar no que está acontecendo. Não agora. Ela precisa estar bem para a chegada de seu filho, precisa protegê-lo.
Dores agudas atingem seus quadris e Simone cai de joelhos no chão. Contrações. Seu bebê deseja vir ao mundo.
Mal conseguindo se mover devido à fraqueza causada pelo vírus e as contrações do parto, ela se arrasta pelo chão da sala até o telefone. A ambulância chegará dentro de minutos.
Na sala de cirurgia, médicos e assistentes preparam-se para realizar o parto de Simone. Trajes especiais, máscaras e luvas, todo cuidado é pouco para que nenhum deles seja infectado durante o parto. Simone sente medo. Deseja cuidar de seu filho e vê-lo crescer, mas, se um dos dois tiver de partir, que seja ela que já viveu o bastante. Dante (sim, esse seria o nome dele) merecia toda a vida que tinha pela frente.
Praticamente inconsciente, Simone escuta o primeiro choro de seu bebê. Dante é um lindo menino aparentemente saudável, a doutora informa. Um milagre, seu milagre, pensa a jovem mãe.
Simone já não raciocina direito, seus pensamentos estão nublados e embaralhados. São os efeitos do AP64 atacando seu sistema nervoso. Mas, assim que os médicos a separam de seu bebê cortando o cordão umbilical, ela começa a sentir-se diferente, como se algo dentro dela estivesse se renovando. Aos poucos, seu raciocínio volta ao normal, ela consegue respirar levemente e a dor de cabeça desapareceu completamente. Só havia uma explicação: ao cortar o cordão umbilical, o sangue de seu bebê entrou em contato com o seu organismo, eliminando a existência do vírus.
Seu bebê a curou. Dante era a cura.

PANDEMIA CANIBALWhere stories live. Discover now