I wanna follow where she goes

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A BUSCA


Você já teve a sensação de estar se afogando? De estar afundando? De flutuar lentamente enquanto cai como pluma pro fundo do rio? Tudo em minha volta era um imenso vazio molhado e escuro. Eu sentia a pressão nos meus pulmões. Eu sentia eles pedindo por ar. Mas eu não conseguia me mexer. Minha visão foi ficando turva, meu coração falhando pela falta de oxigênio. Acima de mim vinha a superfície, brilhando com a luz do sol. Vi minha prancha boiando, e a cinta de segurança junto, inutilmente, já que havia se soltado do meu pé. Podia ouvir Mike gritar meu nome aos berros tentando descobrir onde eu estava.

Já dizia minha mãe, eu num era peixinho pra me aventurar tanto nesse mar. Meu pai, pescador e marinheiro, tinha se afogado e passou dias perdido numa tempestade. Desde então, ela o proibiu de sair muito longe com o barco. E lá estava eu, provavelmente morrendo afogada naquelas águas que eu tanto amava. Estava cada vez mais difícil ver algo e a luz a minha frente era a única coisa que eu conseguia distinguir. Eu já tinha desistido de tentar lutar contra a onda que me empurrou pra baixo.

Eu conhecia todas as histórias que cercavam aquela praia e todas as lendas a cerca daquele mar. Cresci com pescadores como meu pai, ouvi cada lenda sem pé nem cabeça. Ouvi sobre a alma dos mergulhadores de um acidente nesse local que salvava pessoas que se afogavam. Ouvi sobre os piratas que tinha aquele lugar como ponto de parada favorito pelas cadeias de montanhas rochosas nos dois extremos. Ótimo para atracar os navios e saquear os chalés dos moradores. Poderia contar a história da Dama da Lua de trás para frente, que aparecia para os marinheiros em noites de lua cheia. Quanto mais afundava, menos esperança eu tinha. Lembrei da favorita do meu pai: As histórias das sereias. Aquela praia era famosa para os grandes procuradores delas. Todo pescador tinha ao menos uma grande história onde os seres metade humanos metade peixes eram protagonistas. Meu pai, e ele afirma isso até hoje, dizia que uma sereia de cauda dourada o salvou, quando o barco deles se perdeu na tempestade e ele acabou caindo no mar, preso nas ondas. Meu pai foi encontrado numa gruta numa ilha no meio do mar, e tinha um corte na cabeça. Ninguém além dos outros do grupo de caça acreditavam na sua versão de sereia salva vidas.

Não haveria um grupo de mergulhadores fantasmas interessados em salvar a alma de um surfista amadora como eu, nem os piratas viriam até mim pra me fazer de refém dos tesouros que meu pai poderia saber onde estavam. Não era noite para a Dama da Lua vir salvar o dia. E, eu, com toda certeza, nem pensava na possibilidade de uma sereia me salvar como fez com meu pai anos atrás. Corrigindo: Como meu pai conta o ter salvado anos atrás. Se não tivesse com água por todos os lados, eu suspiraria, aceitando o destino de morrer afogada antes de Mike, meu melhor amigo tão útil quanto o cinto de segurança da minha prancha, ser capaz de me encontrar.

Até ela surgir.

Passando por cima de mim, com a cauda reluzindo os poucos raios de luz. Sim, eu disse cauda. Os cabelos enrolados dançavam com as correntes de água, mas eu não conseguia definir direito sua cor. Ela nadou em volta de mim, eu já sentia que minha consciência ia sumir daqui a pouco. Eu devia estar delirando. Ela se aproximou do meu corpo, o cabelo escondendo parte do rosto e os incríveis olhos dourados como pôr do sol brilhavam como faróis submersos. Seus dedos foram tocar meu rosto, senti as membranas entre os dedos. Eles foram até o colar de madeira em formato de âncora do meu pescoço o observou com muito cuidado e voltou seus olhos brilhantes para mim. Os meus começaram a virar e fechar quando ela agarrou minha cintura e eu senti ela me levar para algum canto.

Dai em diante, são flashs. Ela me levava a algum lugar, que depois vi ser a praia. Ela me deixou perto das pedras, afastados da multidão que estava na areia. Lembro dos flashs dela me puxando, da cauda em relance virando um par de pernas com uma canga dourada e esverdeada, com as leves barbatanas nos calcanhares se mantendo visíveis. Elas tinha tons como sua cauda, de verde, laranja, dourado. A tal sereia (céus, fica ainda mais bizarro chamar a sereia de sereia) me deixou ali na areia, me observando enquanto me deixava deitada. Antes de entrar em coma total, a vi olhar para o mar e gritar, com a minha voz.

A sereia tinha exatamente a minha voz. O meu tom, o meu sotaque. Era surreal. Ainda não conseguia respirar, meu cérebro não tinha o oxigênio necessário para funcionar. Os olhos de tom indecifrável fitava o mar quando ela gritou:

-- MIKE! -- A sereia cacheada disse. Então segurou meu rosto com as duas mãos e um tom extremamente rouco: -- Vai ficar tudo bem, aguente firme....

E é a única coisa que lembro antes de perder a consciência.

ForelsketWhere stories live. Discover now