"Vou te esperar aqui com dinda, Ana" Bárbara pisca.

Ana observou Vitória mexer em algumas gavetas quando entraram na sala. Permitiu-se observar discretamente a mulher. Vitória tinha os ombros largos e a pele bem clarinha, da mesma forma que se recordava. Tinha ganhado algumas sardas e pintas, provavelmente ocasionadas por sóis e verões. O cabelo estava mais cheio e definido. Analisou nariz, boca, cenho. Analisou mão, cotovelo e orelhas.

E os olhos?

Ah, os olhos...

Tão bonitos quanto à última vez que os vira.

"Quantos anos ela tem?" Vitória pergunta, olhando para o papel.

Ana entorta a boca, mas responde: "Tem três."

"Nome completo?"

Ana prende ainda mais a respiração.

"Estrela Caetano Dantas."

"Filha daquele Mike?" Vitória indaga, não olhando para a morena, mas sim para o círculo dourado que, por coincidência, ela havia esquecido de tirar do dedo. Ana, concentrada em cada gesto seu, apenas responde com um "uhum" de canto de boca.

"Quando que foi diagnosticada com síndrome de Aspeger?"

"Há um ano."

"Toma remédios?"

"Sim."

"Põe aqui pra mim o nome do ou dos remédios, por favor"

Essa fora a vez de Ana abaixar a cabeça. Vitória a levantou para entregar a prancheta e a morena, num movimento ágil, a agarrou.

Os minutos a seguir se deram por puro profissionalismo. De um lado uma Vitória inquieta, do outro, uma Ana ansiosa.

"Por que pôs esse nome?" Vitória toma coragem.

Ana paralisa.

A morena empurra a prancheta para o outro lado da mesa e ajeita os óculos de grau, suspirando.

Aqueles olhos verdes, talvez castanho mel – um misto de confusões que só Vitória poderia vir a oferecer – a encaravam, ansiando por respostas.

"Uma vez me contaram uma história e essa história ficara marcada em mim. Aprendi que dois corações que batem juntos não ficam separados, mesmo que longes e olhando pra um mesmo céu."

Silêncio.

"Por que voltou?" a cacheada indaga, porém, sem dar chance da outra responder, fala novamente. "Não. Não me diz."

Ana a encara, confusa. A fita quando a mais alta levanta da cadeira e vai até a porta, indicando com a cabeça algum lugar para a morena a acompanhar. Sem saber o que pensar, Ana levanta.

Já havia pensado demais durante todos esses anos.

"Preciso que conheça nosso centro, pois aqui é onde sua Estrela irá desenvolver tudo aquilo que possui dificuldade e que sei que você sente o peso" Vitória diz.

Ana prende a respiração mais uma vez. Só Vitória sabia por em palavras justamente tudo aquilo que ela sentia.

"Não é grande, tampouco um instituto de outro mundo" diz, "mas foi projetado com muito amor, carinho e comprometimento para fazer com que a vida desses pequenos se tornasse ainda mais especial, assim como eles."

Ana observa Vitória contar a história do instituto e de como funcionava cada etapa do teatro. Em sua mente, a palavra que ecoava era: Falta. Faziam anos desde que ela partira de Araguaína e agora a garota que ela havia visto no aeroporto há anos atrás se tornou uma mulher independente. Vitória já não tinha mais ar de menina boba, e Ana sabia que ela havia conquistado aquilo ao logo dos anos. Pensou no quanto que ficou longe e em tudo o que Vitória já devia ter vivido, o tanto que perdeu.

Mas Vitória continuava a ser uma icógnita. Não existia o X do vértice, Y ou regra de três que explicasse o porquê de suas vidas terem tomado rumos tão diferentes. A morena não conseguia entender.

Simplesmente não conseguia.

"Ana?" Vitória a chama, "te entediei?" brinca.

"Não..."

Ana observa o lugar. Era uma sala um tanto quanto aconchegante. Tinha uma TV, jogos de tabuleiro espalhados e até um mini bar improvisado no canto.

"Já estamos no ultimo lugar do instituto. Mas aqui não é para a Estrela, aqui é para você. Quando se sentir perdida, confusa e vulnerável por conta da estabilidade de sua filha, pode vir aqui e pode me chamar. Conversaremos e tentaremos ajeitar tudo que se passa aí dentro."

Ana gostaria de usar aquela sala agora.

Ela estava perdida, confusa e vulnerável.

Mas, pela primeira vez em muito tempo, não se tratava de Estrela. Tratava-se daquilo que a gente deixa passar e só se da conta quando há o retorno.

Até por que, a dor do remorso e da falta é muito maior que a prioridade do encontro.

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Quanto Tempo o Tempo Tem?Where stories live. Discover now