"Como assim desde o nascimento da princesa?"

"Bá..."

"Sim?" a mulher senta. Sua preocupação com o rumo daquela conversa era palpável.

"Lembra quando eu te disse que Estrela tinha dificuldade de se comunicar e demonstrações de afeto?" diz. O olhar triste a denunciava ao observar a filha brincando com os pequenos tijolinhos de plástico.

"Lembro." Bárbara responde, sem entender. "O que tem a ver?"

"Estrela tem síndrome de Aspeger, Bá. É um dos tipos existentes de autismo."

Passaram-se longos minutos em silêncio. De um lado, uma madrinha confusa. Do outro, uma mãe cansada.

"Vim pra cá não para fazer visita, mas definitivamente." Diz a morena. Bárbara pode ver lágrimas brotarem dos olhos da amiga e agarra sua mão com força. "ela estava ficando muito nervosa com todo o ritmo de São Paulo. Mike nunca tem tempo pra ficar em casa, eu tinha plantões constantemente. Eu não podia largar minha pequena assim, Bá. Não podia. Ela precisa de mim." Responde. Os olhos de Ana Clara pareciam ser rios que não paravam de despejar água. "Doutor Moreira me recomendou que voltássemos para cá pro Toca. Eu disse onde morava e ele me falou que conhecia um lugar incrível para crianças autistas aqui. Um teatro que funcionava como um centro, você conhece?"

Bárbara ri, e Ana não entende.

"Conheço."

"Preciso que vá comigo o mais rápido possível..."

"A levarei lá, mas acho que você precisará conhecer por si só."

"Como assim?"

"Você verá."

Do outro lado daquela pequena cidade, uma juba loira enfeitava um palco. O rosto que a acompanhava estava pintado e a mesma ria – sentia-se orgulhosa pelo que havia construído e por tudo o que passou.

A vida de Vitória Falcão não havia sido fácil.

Aos dezessete anos a mulher teve de desistir da sua carreira nas artes cênicas para cuidar de sua mãe. A mesma havia desenvolvido um tumor e Vitória não pensou duas vezes em ficar na pequena cidade do Tocantins para cuidar dela ao invés de seguir seu sonho na grande São Paulo. Ou melhor, seguir um dos seus sonhos.

Aos vinte e quatro anos Vitória perdeu sua grande heroína. Sua vida desde então havia sido dedicada á criar suas irmãs. Aos vinte e cinco, quase seis, Vitória fundou o Teatro Pirilimpimpim para Crianças Especiais. O centro funcionava como uma espécie de recreação para os pequenos que possuíam dificuldades emocionais e sociais por conta do autismo, dentre eles, síndrome de Asperger e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

Com poucas instruções da área, Vitória tomou cursos e especializações parar criar o centro com um único objetivo: ajudar pessoas. Sua sina era praticar o bem de todo o modo, e todos da cidade ajudaram na fundação do teatro.

A família Fernandes Falcão era completamente amada e querida por toda Araguaína, e a pequena Vitória não poderia deixar de receber todo aquele amor.

Quando Bárbara estacionou o carro no estacionamento do teatro, ela pôde sentir que aquele encontro mudaria tudo. Conhecia as duas desde sempre e toda a cidade tinha duvidas do por que da amizade de Ana e Vitória ter sido abalada.

De um lado, a doutora pediatra bem sucedida Ana Clara Costa Caetano Dantas, casada e com uma filha. Do outro, a palhaça Vitória Fernandes Falcão, que apesar de todas as rasteiras da vida, sempre teve a arte da felicidade como peça principal no teatro dessa vida.

Enquanto Bárbara falava sobre a repercussão do teatro no Tocantins para Ana, Estrela havia encontrado algo mais divertido para olhar: uma moça divertida em cima de um palco cantando músicas que, apesar de incomoda-la de primeira, a faziam sentir vontade de rir.

A pequena caminhou até o palco e sentou na borda, encarando atentamente ao que aquela mulher do cabelo engraçado dizia.

Vitória percebeu uma pequena diferente. Podia jurar que conhecia aqueles olhos e aquela criança a lembrava um alguém do passado, mas pensou ser impressão. Caminhou até ela e se agachou, não mantendo muito contato, pois não queria assusta-la.

"Ei, pequena. Tudo bem?"

Estrela ficou calada.

"Não precisa falar nada não, tá?" Vitória sorriu, gesticulando com o lego nas mãos, prendendo a atenção da pequena. A cacheada pareceu perceber pois ofereceu o brinquedo á garota e a mesma o aceitou de prontidão, fazendo-a sorrir.

"Estrela, filha... Você não pode sair assim do lado da mamãe, meu amor."

Aquela voz... Vitória conhecia aquela voz. Permaneceu virada para a criança, quase que paralisada, mas a voz logo resolveu ecoar mais uma vez.

"Ei, prazer. Meu nome é Ana Clara. Sou mãe dessa princesa..."

Era ela.

Deus, era ela! Por isso os olhos tão conhecidos...

Vitória levantou-se e bateu na calça como quem quer tirar a poeira e voltou-se para a outra mulher – essa que agora teve a vez de ficar quieta.

Depois de anos, um encontro.

Olho no olho.

Quanto Tempo o Tempo Tem?Where stories live. Discover now