2. Nuances Da Dor

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Chego em casa atordoado e nem noto nada ao meu redor, vou direto para o quarto tentar colher pistas da morte de Beatrice através de nossas conversas do WhatsApp.

Sento-me na cama depois de estar devidamente limpo e pego tudo relacionado a ela e analiso com cuidado. Abro uma caixa onde estão todas as cartas, bilhetes e presentes de aniversário que já ganhei dela. Meus olhos se enchem de lágrimas rapidamente ao ler um trecho de uma das cartas.

Não desista de sua vida assim tão facilmente, menino! Se você tentar fazer isso de novo eu mesmo acabo com você. Eu fiquei desesperada só com a possibilidade de ter te perdido. Não importa toda essa dor, a vida segue e tudo passa e você sempre terá a mim! Eu nunca vou te deixar.

- Mentirosa! - grito para o nada, sentindo todo meu controle se esvair pela segunda vez. - Está sendo pior do que se você tivesse me deixado por vontade própria. Ele tirou sua vida e sinto que a minha também - choro, deixando tudo cair no chão.

Quando Beatrice morreu eu não deixei transparecer o quanto me senti quebrado. Em seu velório não deixei cair uma lágrima sequer e surgiram boatos pela cidade de que eu nunca me importei de verdade com ela. Só eu sei o quanto doeu e dói. Por isso fugi o quanto pude de tocar nas coisas que ela me deu ao longo de todos esses anos, pois eu sabia que quando o fizesse, não iria suportar a dor latente em meu peito.

Observo os papéis espalhados pelo chão e é como ver todas as nossas lembranças tornando-se algo sem nenhuma importância, pois o sentimento que tudo isso carregava se perdeu quando ela se foi e nossas memórias se tornaram apenas um sentimento unilateral. Começo a recolher as cartas lentamente. Minhas mãos estão tremendo demais e para minha surpresa encontro um bilhete que tenho quase certeza que não estava ali antes.

Estou tremendo enquanto escrevo isso, mas preciso agradecer pelo que fez hoje. Eu achei que iria conseguir intimidá-lo, mas como você pôde perceber foi o contrário, se você não tivesse aparecido... Nem quero pensar, o Guilherme está descontrolado! Eu só queria acabar com isso e viver tranquila novamente.

Obrigada por me salvar mais uma vez, meu pintor preferido...

Um pastel de frango e um abraço de sua musa.

Se ainda houvesse alguma dúvida em mim de que foi Guilherme que a matou, elas foram sanadas após ler esse bilhete e eu preciso fazer algo. Tenho de ser o melhor amigo dela ao menos uma última vez. Porém, não sei como ainda, pois a polícia já deu o caso como encerrado e é preciso provas mais concretas para que seja reaberto.

- Não se preocupe, Bea, eu não vou desistir! Sua morte não saíra em pune - sorrio emocionado, pois é como se ela pudesse me escutar.

Passo a noite entre investigações e xícaras de café. Minha amiga era alguém muito esperta parecia que ela já sabia o que estava por vir, pois entre nossas conversas haviam muitas pistas de que ela estava com medo e em perigo. Estava na cara, mas eu não percebi antes de ser tarde demais.

Quando o sol começa a dar seus primeiros indícios tomo um banho e desço decidido em acabar com tudo isso de uma vez.

- Seu amigo Guilherme veio me dizer que você está ameaçando-o e até o acusou de matar aquela sua amiguinha suicida delinquente - seus lábios se retorcem em reprovação e eu sinto um meu sangue ferver. - Quero que esteja ciente de que se ele precisar de alguém para defendê-lo em um tribunal eu farei questão de ajudá-lo - meu pai cruza os braços com a costumeira expressão de desprezo em seu rosto.

- Primeiramente, ela não se suicidou - encaro-o sério - Segundo, eu já esperava essa atitude tanto de você, quanto do Guilherme... - dou um pequeno sorriso - Um advogado corrupto defendendo um assassino, já era de se esperar.

- Eu tenho desgosto de quem você se tornou, Thomaz. Na verdade nunca quis um filho - aponta o dedo em meu rosto, - você só está vivo pela teimosia de sua mãe que não prestou nem para ficar viva e cuidar do fardo que ela quis que vivesse! - demoro alguns segundos para absorver suas palavras, mas sei que meu coração já absorveu, pois sinto como se o que restava dele virasse pó, fico estático - Então não me venha com lições de moral quando você nem mesmo era para estar aqui.

- Cala boca! - grito - Você está tão errado, pai, tudo que sinto por você é pena. - Seco uma pequena lágrima - Espero que um dia deixe de ser esse ser humano desprezível e se arrependa - fito seus olhos mais uma vez e saio de casa sem olhar para trás.

Ignoro toda dor que se apossa de mim antes que mais lágrimas caírem de meus olhos, pois preciso de foco para ajudar Beatrice. Caminho confiante até seu apartamento e ao passar pelas ruas em que andávamos todos os dias faz com que eu relembre vários momentos. Passo pelo grande muro onde escrevi para ela a minha primeira e única poesia que já não se encontrava mais escrita ali, no entanto estava gravada com clareza em minha mente.

Menina do sorriso simples

Teu coração é o maior que existe!

Tú és minha perfeita musa.

É a minha mais bela pintura,

Sem você eu conheço a dor

Sem ti não existe mais cor.

Por favor, segure minha mão e acredite

você estará sempre em meu coração.

Não diga adeus, eu não te deixarei

Não se vá, em um quadro irei te eternizar.

Na época esse poema não fazia tanto sentido como agora. Eu jamais imaginaria que ele seria hoje como uma despedida. Em pensar que após esse poema eu a fiz ficar horas parada em uma mesma posição e a pintei, a eternizei em um quadro e aquela com certeza foi minha melhor pintura, pois a fiz com o coração.

Chego ao apartamento de Beatrice e encaro a porta branca sentindo o nervosismo em cada célula do meu corpo. Levanto o pequeno tapete e vejo que sua chave extra continua ali, o que me leva a pensar se Guilherme também tinha o conhecimento dessa chave escondida. Giro a chave na fechadura com a certeza de que descobrir tudo será a última coisa que farei na vida.

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