O presente de natal - Capítulo único

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Este conto foi inspirado na foto da mídia, tirada por Gerald Waller, em dezembro de 1946, no orfanato Am Himmel, na Áustria, Europa. Todos os direitos reservados. Boa leitura!

Júlio era um garoto solitário; não do tipo solitário que não tinha amigos... ele vivia rodeado de pessoas, mas era como se aquilo não significasse nada, pois seu coração continuava vazio, mesmo que não quisesse isso. Aquele dia em específico seria tão entediante como outro qualquer, se não fosse o grande evento que haveria no orfanato. As outras crianças corriam para todo lado, gerando ruídos e ele estava sentado num banco no pátio enquanto se preparava psicologicamente para o que iria enfrentar. Todo ano era a mesma coisa, no dia de natal o orfanato preparava uma ceia e apenas pessoas da alta sociedade eram convidadas. Os órfãos deviam sorrir para eles, mesmo que não tivessem vontade. A única vantagem que Júlio via nisso era a comida farta, diferente dos outros dias do ano. Normalmente a comida era pouca e os órfãos continuavam com fome mesmo após comer, devido ao limite que o orfanato impôs. Mesmo que as melhores partes dos dois perus que o orfanato assava fosse para os convidados, ainda era melhor do que um prato quase vazio. Além disso, o traje branco que os "internos" usavam era passado de geração em geração e precisava estar incrivelmente branco e se assim não fosse as pessoas que ali mandavam, faziam as crianças lavarem até suas mãos sangrassem.

O suposto propósito do evento era mostrar as crianças para que pessoas de bom coração as adotasse e arrecadar fundos para o orfanato. Todo ano uma boa quantidade de dinheiro era adquirida, porém ele não sabia para onde essas verbas iam, já que a estrutura do orfanato continuava precária e a comida escassa. Provavelmente a única utilidade que esse evento tinha era mostrar o quão "bom" o orfanato era e como as crianças tinham "sorte" de estar ali. Júlio não esperava que o evento trouxesse pais novos ou algo do gênero, afinal depois que a crianças passavam dos cinco anos a chance de serem adotadas diminua drasticamente.

Quando a noite caiu, todos já estavam arrumados. Júlio colocou seu traje branco, porém não estava se sentindo bem pois seus sapatos estavam velhos e gastos e mesmo ele os lavando até que suas mãos sangrassem, como lhe havia sido ordenado, a aparência deles não melhorou. As crianças estavam dispostas na escada em uma espécie de fila em que todos poderiam ser vistos. Depois dos discursos, cada convidado se aproximou de uma criança, com um embrulho de presente, como era a tradição. O orfanato sorteava um órfão para cada convidado e o mesmo deveria trazer o presente que a criança deseja no dia de natal. Júlio escreveu que queria um par de sapatos novos na lista que o orfanato disponibilizou, mas imaginou que não ganharia isso, pois as pessoas da alta sociedade que vinham no evento normalmente não se davam o trabalho de olhar nem o nome das crianças que tiraram, tampouco comprar o presente que elas desejavam. Provavelmente ele iria ganhar um pacote de doces ou um caminhão de brinquedo sem graça. O homem que se aproximou dele era alto e bem vestido.

- Boa noite, Júlio. Feliz natal! - disse o homem e Júlio se surpreendeu, era a primeira vez que a pessoa que o tirava sabia seu nome.

- Boa noite! - Respondeu ele simplesmente. Não sabia o nome do homem e o natal não era uma data feliz para o mesmo, era uma como qualquer outra.

- Aqui está o seu presente - Disse o rapaz entregando um embrulho a Júlio que o mesmo abriu rapidamente e não acreditou que era o par de sapatos novos que ele tanto queria. Seus olhos chegaram a brilhar... ele perguntou a Deus o que estava acontecendo, naquele ano tudo estava tão diferente.

- Muito obrigada, moço - Disse Júlio e abraçou o rapaz a sua frente, foi um impulso pela alegria já que o mesmo geralmente não gostava de contato físico.

- De nada, pequeno. Fico feliz em ver que gostou. Tem algo mais que gostaria de ganhar? - perguntou ele.

- Eu gostaria de ganhar um papai - Disse Júlio olhando nos olhos do rapaz, os corpos de ambos já estavam separados. Ele disse isso com toda a sinceridade que havia nele, com todo o amor que ainda restava em seu ser mesmo depois de tudo.

- Então serei seu papai agora!





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