Capítulo 1.1

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É um pecado escrever isto. É um pecado pensar palavras que ninguém mais pensa e pô-las em um papel que ninguém vai ver. É indecente e mau. É como se estivéssemos falando para o nosso próprio ouvido e a nenhum mais. E sabemos bem que não há nenhuma transgressão mais negra do que agir ou pensar sozinho.

Violamos as leis. As leis dizem que os homens não podem escrever a menos que o Conselho de Vocações assim o permita. Que possamos ser perdoados! Mas este não é o único pecado em nós. Cometemos um crime maior e para este crime não há sequer uma palavra. Que castigo nos espera se formos descobertos, não sabemos, pois nenhum crime como esse pode estar na memória de homens e não há nenhuma lei que estipule uma pena para ele.

Está escuro aqui. A chama da vela fica parada no ar. Nada se move neste túnel exceto nossas mãos no papel. Estamos sós aqui debaixo da terra. É uma palavra temível: só. As leis dizem que nenhum homem pode estar só, nunca, em hora alguma, porque isto é a grande transgressão e a raiz de todo o mal. Mas transgredimos muitas leis. E agora não há nada aqui, exceto nosso único corpo e é estranho ver só duas pernas estiradas sobre o chão e na parede diante de nós a sombra de nossa única cabeça. As paredes são rachadas e a água corre nelas em linhas finas e silenciosas, negra e brilhante como sangue. Roubamos a vela da despensa da Casa dos Varredores de Rua. Seremos condenados a dez anos no Palácio de Detenção Corretiva se formos descobertos. Mas isto não importa. Só importa que a luz é preciosa e não deveríamos desperdiçá-la para escrever quando precisamos dela para aquele trabalho que é nosso crime. Nada importa exceto o trabalho, nosso trabalho secreto, maligno e precioso.

Além disso, também temos que escrever – possa o Conselho ter clemência de nós! – porque desejamos falar, ao menos por uma vez, aos nossos próprios ouvidos e a nenhum outro.

Nossa designação é Igualdade 7-2521. Está escrita na pulseira de ferro que todos os homens usam no pulso esquerdo. Temos vinte e um anos de idade e um metro e oitenta de altura e isto é um fardo, porque não há muitos homens que têm um metro e oitenta. Os Professores e os Líderes sempre apontaram para nós e franziram as sobrancelhas dizendo: "Há maldade em seus ossos, Igualdade 7-2521, porque seu corpo cresceu além dos corpos de seus irmãos." Mas não podemos mudar nossos ossos nem nosso corpo.

Nascemos com uma maldição. Ela sempre nos guiou para pensamentos que são proibidos. Sempre nos deu desejos que os homens não podem desejar. Sabemos que somos maus, mas não há nenhuma vontade em nós e nenhuma capacidade para resistir a isto. Este é o nosso fenômeno e o nosso medo secreto, que sabemos existir, mas que não controlamos. Nos esforçamos para ser como todos os nossos irmãos, porque todos os homens devem ser semelhantes.

Nos portais do Palácio do Conselho Mundial, há palavras talhadas no mármore que eles exigem que repitamos a nós mesmos sempre que nos sintamos tentados: "Nós somos um em todos e todos em um. Nenhum homem existe individualmente, mas apenas dentro do grande NÓS, único, indivisível e eterno. Nós as repetimos para nós mesmos, mas isso não nos ajuda. Estas palavras foram talhadas há muito tempo. Há mofo verde nos entalhes das letras e raias de amarelo no mármore que estão lá há mais anos do que os homens poderiam contar. E estas palavras são a verdade, porque elas estão escritas no Palácio do Conselho Mundial e o Conselho Mundial é o corpo de toda a verdade.

Assim tem sido desde o Grande Renascimento e mais longe no passado, onde nenhuma memória pode alcançar. Mas nunca devemos falar dos tempos de antes do Grande Renascimento, ou podemos ser condenados a três anos no Palácio de Detenção Corretiva. Só os Velhos sussurram sobre isto à noite, na Casa dos Inúteis. Eles sussurram muitas coisas estranhas, sobre as torres que subiam para o céu, nesses Tempos Não Mencionáveis e sobre os vagões que se moviam sem cavalos e sobre as luzes que queimavam sem chama.

HinoWhere stories live. Discover now