Cornelius - I

131 22 44
                                    

Contar histórias virou um costume agradável desde que adquiri a onisciência

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

Contar histórias virou um costume agradável desde que adquiri a onisciência. Parece estranho, mas quando você conhece todos os fatos, todos os pensamentos e todos os argumentos, tudo se parece com um conto; um filme.

"Filme"... eu nasci em 1525, nunca vi um "filme" e nunca verei ao longo da minha vida útil, mas eu sei o que é, sei como é feito, sei quem os produz; conheço inclusive os pensamentos e ideologias de seus criadores, assim como seus horrores e tormentos.
Eu sempre estive em busca do conhecimento, e agora posso dizer com clareza que saber tudo é o maior prazer de todos, e o maior fardo de todos.

Descobri que o destino tem maior importância em nossas vidas do que um poderia imaginar.

A roda do destino — que nao é nenhuma roda mas, certamente — gira para todos, e nós somos seus mais fiéis servos.
Hoje eu vou contar a "minha" história, e de como me tornei o que sou e como aprendi o que sei.

Cornelius Baldur Lammet é o nome que a mim foi incubido. Segundo filho do proeminente lorde Lammet e a bondosa condessa de Baldur, um matrimônio altamente respeitado pela realeza germânica do século XVI.
Agradeço ao destino por ter sido privilegiado de nascer em uma família influente e rica, podendo assim estudar desde criança e me apaixonar pelos prazeres do conhecimento, que me guiaram sem curvas até a Alquimia.

Dos quatro objetivos alquímicos principais, entretanto, apenas um me fascinava: a Pedra Filosofal. Vida eterna não me importava, afinal, o que é da vida sem a morte? Ouro tampouco, nunca me prendi ao material tanto quanto ao cósmico. A riqueza da nobreza então, ainda menos.

Não ser o primogênito da família me livrou dos deveres de estudar todos os assuntos diplomáticos que nunca me interessavam, e minha família, apesar de não apoiar, me acompanhou enquanto eu crescia em um alquimista fanático pelo conhecimento, enclausurando-me em minha câmara com meus livros e experimentos.

Até que em 1545, perdemos a guerra contra o Sacro Império Romano, e nosso castelo foi o primeiro a ser invadido e completamente devastado.
Só fiquei sabendo disso após deixar minha habitação — bastante secreta por assim dizer — e descobrir os corpos massacrados de todos meus familiares, serventes e amigos.

Arrasado e com uma bolsa larga cheia de livros e pergaminhos antigos, uma garrafa d'água e um pedaço de pão, saí daquele lugar e me exiliei nos bosques cercanos para continuar minhas pesquisas.

Ali vivi durante décadas, praticamente o resto da minha vida, estudando a natureza e me indulgindo cada vez mais profundamente na Alquimia física, descobrindo substâncias e compostos novos e também falhando em diversos outros ramos da pequena árvore do meu conhecimento, mas ainda assim, aquela vida acadêmica era bastante satisfatória; nada era melhor que a sensação de descobrir. A única decepção constante era minha curiosidade infinita. "A Pedra Filosofal... o que ela é?"

Haviam muitas escrituras e diversas citações, mas nenhum registro de sua veracidade, e isso era o que mais me frustrava. Apesar disso, minha fé nunca se abalou... como podia, afinal, um dos quatro fundamentos alquímicos ser, simplesmente, uma mentira?

~ ✡️ ~

Eu já podia sentir minhas mãos tremerem e minha pele enrugada murchar com o passar dos anos. Minha respiração trancada e a tosse forte que destruíam minha garganta e meus pulmões me avisavam: meu tempo estava acabando, a tuberculose era fatal. Hoje, meu conforto é saber que no futuro, graças aos luxos do conhecimento, ninguém mais vai morrer dessa enfermidade tão simplória, mas que massacrou tantos em tempos passados.

Até que um dia, saindo da casa de madeira que construí na base das árvores para ir buscar ervas e caçar minha janta, tropecei em um livro extremamente espesso que estava no chão da minha porta.

"Quem deixou isso aqui?" Pensei, e com dificuldade e dor na coluna, me curvei para pegá-lo. Com o livro em mãos e a curiosidade já desperta, voltei a entrar no casebre para investigá-lo.

Sua capa era de pedra, mas não uma pedra qualquer, um material que jamais havia visto em minha vida; extremamente duro, porém maleável e leve, sutilmente acinzentado. Haviam escrituras que pareciam palavras em sua capa, porém eram de uma língua que eu nunca havia visto — e eu lia em pouco mais de 35 idiomas diferentes na época — tanto que nem parecia deste mundo, e um tipo de pentagrama que reconheci logo de cara: o Tetragramaton.

Abrir aquele livro custou todas as minhas forças, literalmente; parecia estar selado com uma força estranha, e eu quase podia sentir minha vida fluindo pelos meus dedos em cada centímetro que o livro descerrava.
Enquanto se abria, percebi que o livro tinha apenas duas páginas grossas feitas do mesmo material da capa, e quando finalmente o abri e enxerguei a primeira palavra escrita, mesmo sem entender, eu percebi.

Aquele livro era a pedra filosofal.

E quando eu percebi isso, eu soube.

Soube que daquele momento em diante, eu sabia tudo. Minhas retinas brilhavam em esplendor com o conteúdo incompreensível daquelas duas páginas. Eu sentia como se meus olhos estivessem absorvendo todo aquele conteúdo infinito, e aos poucos, o livro foi despedaçando até tornar-se areia.

O início, o meio, o fim. O primeiro passo, a jornada, a conclusão. O nascer, o sofrer, o morrer. De repente, eu entendia tudo, eu imaginava tudo, eu enxergava tudo. Meus olhos já não eram olhos, eram duas esferas de luz pelas quais corria todo o fluxo do espaço-tempo.

A faísca do meu destino havia acendido, e eu entendi o motivo de minha mente não ter se entregado à insanidade com toda a infinita informação do cosmos. Um motivo bastante simples, por assim dizer: era meu destino.

E pela primeira vez na vida, eu senti minha sede saciada, sentimento esse que carregaria o tempo todo pelo resto da minha existência efêmera.

O destino, senhores, é cruel por natureza (mas sem querer). Toda a origem e toda a vida vieram do caos, que, caótico como é, graças a um leve empurrãozinho do destino, se inclina à ordem. Se tem uma coisa que vocês aprenderão com meus contos de destino, luta, glória e perversão, é que o universo é um PARADOXO, e dentro desse paradoxo estamos nós.

Assim como a Lei da Atração, a Lei da Causa e Efeito, a gravidade e a relatividade, o destino é uma lei universal, que de vez em quando sobrecarrega graças ao infinito número de seres vivos em todos os planetas, universos e dimensões, capazes de viver uma realidade consciente e cognitivamente, girando todos assim na roda do destino. A gota que transborda do copo do destino é o que chamamos de Faísca, e qualquer ser vivo que nasça com essa singularidade nas veias está destinado à grandeza e, seguramente, será lembrado pelo resto dos aeon.

Minha história em específico pode não ser a mais interessante, a mais violenta, a mais romântica, a mais cômica ou a mais perversa; mas assim que é para ser, pois disso tudo de sobra nesse universo. Quem dirá que meu destino não é, simplesmente, narrar nosso mundo para você?

Faísca do DestinoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora