O portão de casa não tardou a aparecer diante dele. Augusto seguiu reto. Caminhou por várias quadras, andando em círculos pelo bairro escuro e calmo, observando as luzes das casas ao seu redor. Imaginava se naqueles lares a vida também era insuportável. Invejava os vizinhos. Certamente nenhum deles tinha que lidar com fantasmas tão grandes dentro de si.

Depois de passar pela porta de casa pela terceira vez, Augusto decidiu que deveria entrar. Não poderia continuar evitando aquilo. O coração batia tão forte em seu peito que parecia estar prestes a explodir, e ele podia ouvir o sangue sendo bombeado com força pelo seu corpo. Ao estender a mão para abrir o portão ele percebeu que tremia, e não era de frio. Destrancou a porta, largou a mochila no sofá.

Tudo era silêncio. A máquina de costura deveria estar ligada àquela hora, nada fazia sua mãe parar de costurar. Mas naquela noite a quietude e o escuro dominavam o pequeno sobrado. Augusto caminhou de cômodo em cômodo, acendendo as luzes, sentindo o peito ficar ainda mais inquieto. Sentia um medo que tornava sua respiração difícil, dava vontade de chorar.

A mãe não estava no quarto de costura, nem na cozinha, nem no quintal dos fundos. Augusto então encarou a escuridão da escada que levava ao andar de cima, com a mandíbula presa numa mordida vazia, tão forte que seus dentes pareciam prestes a se quebrar. Com o corpo pesado ele começou a subir, e cada degrau era um tormento que trazia ânsia de lágrimas que ele tentava segurar.

Eram apenas dez degraus, mais um patamar onde a escada fazia uma meia volta. A subida durou uma eternidade, durante a qual Augusto ouvia a própria voz fazendo uma promessa de ódio, algo que ele jamais esperara dizer na vida. Nesta lembrança, sua mãe chorava em algum lugar, enquanto Afonso lutava para se equilibrar em pé, ao mesmo tempo em que ria das palavras do menino. Era uma lembrança escura.

A tal gota d'água, despejada durante o jantar do dia anterior, veio na forma de mais uma discussão. Afonso, como sempre, proferia barbaridades contra Augusto, com o bafo etílico a se propagar pelo ambiente. A mãe defendeu o filho, o que provocou no padrasto um ataque de fúria, com direito a berros e xingamentos. As ofensas contra ela versaram sobre ameaças, e Augusto respondeu com um soco na mesa, que vibrou os pratos e trouxe silêncio.

Naquele momento os três moradores da casa se lembraram da promessa. Augusto a reiterou com os olhos, ao fulminar Afonso com toda a raiva que um ser humano pode sentir. Não ousaria proferir palavra, não diante da mãe, mas o recado tinha que ser dado. Afinal agora ele se sentia um homem, e homem tem que ter honra.

E a promessa ecoava a cada degrau, pesada como os pés de Augusto, como a vida naquela casa, como o ar que entrava difícil em seus pulmões e saía duro por suas narinas. No topo da escada ele acendeu mais uma lâmpada. Com um toque suave ele empurrou a porta entreaberta do quarto de sua mãe, e a viu deitada sobre a cama, no escuro, sua silhueta marcada na claridade fraca que entrava pela janela.

- Mãe?

Não houve resposta. Com uma mão apressada Augusto acendeu a luz do quarto e correu para a cama, e o que ele viu o encheu de sensações contraditórias. Nunca na vida ele sentira tanta dor. Dor por ver sua mãe com o rosto machucado, roxo, os olhos inchados e os lábios partidos; dor por saber que o monstro que fizera aquilo havia, um dia, sido uma boa pessoa para ela; dor por saber que ela amava Afonso de uma maneira cega, capaz de esquecer de si mesma e de seu filho, e se sujeitar à realidade dura do presente. Por outro lado, o coração de Augusto desacelerou, sua respiração voltou ao normal. Já não havia mais ponderações a fazer, e a atitude correta era agir como o homem que ele havia se tornado, e cumprir a promessa.

Com uma única lágrima nos olhos, Augusto beijou a testa de sua mãe, que dormia profundamente. Na cabeceira da cama jazia uma cartela de calmante, da qual faltava um comprimido. "Ela vai ficar bem", pensou, numa atitude que ele sabia ser egoísta, mas a honra de sua mãe era mais importante. A polícia ele sabia que de nada adiantaria.

Augusto voltou à sala, apagando todas as luzes em seu caminho. No escuro, ele foi até o portão e acendeu um cigarro. A mãe não acordaria tão cedo. Ali ele ficou, a observar a fumaça branca subir para o céu negro, numa mistura de tabaco e vapor de inverno. Quando a bituca atingiu o asfalto, ele se dirigiu à área de serviço, nos fundos do sobrado. Da caixa de ferramentas de Afonso ele pegou o martelo.

Era um martelo comum, nada de especial, mas desde que fizera a promessa, Augusto havia decidido que aquela seria a ferramenta correta. E então ele esperou, sentado no sofá da sala, no escuro, observando as luzes dos carros que lançavam sombras nas cortinas, tingindo a parede com variadas formas. Tudo era calma dentro dele, e todo o terror do dia havia desaparecido.

A promessa, proferida alguns anos antes, se repetia em sua mente, mas de maneira distante agora. Convenientemente ele ignorava o choro da mãe em sua lembrança, e só o que via era Afonso cambaleante, com os punhos avermelhados e cerrados, os dentes arreganhados numa risada de deboche. Afonso suava álcool, o odor de bebida impregnava a sala.

Naquele dia Augusto havia passado a tarde na casa de um amigo da escola, e ao voltar de noitinha deparou com a mãe encolhida num canto, o rosto machucado, enquanto Afonso, bêbado, disparava ofensas contra ela. Sem refletir, Augusto deixou a raiva falar.

- Se você encostar na minha mãe de novo eu te mato! Eu prometo que te mato!

E Afonso ria.

Agora Augusto só ouvia a própria voz infantil fazendo ameaças contra o esposo de sua mãe, enquanto os carros passavam cada vez mais raramente pela rua, até que, de repente, um deles parou na frente da casa. Uma porta se abriu. O som de chaves. O portão rangeu. O carro velho de Afonso entrou na garagem, o som era inconfundível.

A promessa se desmanchou, a lembrança desapareceu. Augusto apertou com força o cabo do martelo, e seu coração nunca esteve tão calmo.

A PromessaWhere stories live. Discover now