Capítulo 9 - Não me CHAME

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Por que era tão ingrata?

Não importava o quanto fingisse ignorar as manchas de batom na roupa branca do esposo, ou as repetidas vezes que ele chegava tarde do trabalho, não conseguia simplesmente fingir que não sabia o que estava estampado em sua cara. Dependia financeiramente dele, o divórcio não era uma opção, seus pais não aceitariam uma mãe solteira, não teria futuro na carreira que desejava e voltar para casa significava aceitar a derrota.

E para piorar, todos a estavam afirmando que Henrique não era um mau marido. Todos a estavam dizendo que ela tinha apenas que ter paciência e agradecê-lo.

Ele não a batia.

Ele não gritava.

Ele não a xingava.

Mas no fundo, a mulher não compreendia porque aquilo significava ser um bom marido.

Ele não a dava carinho.

Ele não a amava.

Ele não a notava.

Por que ele era tão bom, se ela sentia que tudo aquilo era tão ruim? Se ele era realmente uma boa pessoa, por que ela não se sentia bem de seu lado?

Passaram-se catorze anos quando, enfim, o pássaro levantou voo e fugiu da gaiola. No começo, eram brigas leves, que a própria Angélica não compreendia a razão. Henrique não a traía mais, não voltava mais bêbado para casa, estava chegando cedo do trabalho. Por que a mulher sentia tanto nojo por sua figura? Por que sentia tanto nojo de seus beijos? Por que apenas não podia ignorar a crise nos primeiros anos de relacionamento e ser uma esposa feliz, se não pelo marido, por seu filho?

Pensava em como poderia ter se dado o direito de ter desejado mais do que todas aquelas coisas que Henrique a dava, mais do que todas as joias, as roupas, mais do que o luxo. Como podia ter se dado o direito de desejar ser amada?

Foi sua culpa o final do relacionamento — pelo menos, foi isso que Henrique disse uma semana antes de Angélica sair de casa. Ela o traiu, ela dormiu com seu amigo, ela ousou ter uma vida fora daquela casa — fora daquela prisão. Ela. Ele ainda a deu a oportunidade de ficar, não repetir mais o erro e ambos fingirem que aquilo nunca aconteceu, disse que ele era capaz de conviver harmoniosamente com a esposa pelo filho.

Mas a mulher não conseguiu dizer sim para tal oferta. Sabia que no momento que aceitasse, estaria sujeita a ser tudo aquilo que não queria ser quando veio à capital.

Jogou fora todos os catorze anos, toda a mordomia que a vida como dona de casa havia a entregue e, apesar de tudo, Henrique não jogou em sua cara nada do que havia feito. Não por amá-la a ponto de reconhecer seus erros e querer vê-la livre — isso não existia — e sim porque, de certa forma, não sentia nem ao menos apreço por sua presença.

Para ele, apenas o filho existia. O único motivo dele ter dado uma segunda chance para a moça era para poupar Adams.

Apenas o rapaz de olhos belos como a mãe e traços marcados como o pai, importava naquela relação.

Sentado em seu escritório, ele a entregou sua alforria, chamando-a de divórcio. Tudo que a pediu, foi que não causasse mais sofrimento na vida do filho.

Uma parte de Angélica odiou aquela criança por ter nascido, por ter destruído 14 anos de sua vida e por ser a única coisa importante para aquele homem. Por ter sido alvo de todo o carinho que deveria ser dela.

De tanto tempo presa, aceitou agradecida o papel, ignorando tudo e todos — ignorando Adams.

Deixou para trás uma criança, seu passado e boa parte de sua história. Casou-se com Antônio poucos meses após a consolidação do divórcio e cuidou da filha do novo marido como se fosse seu próprio filho, não chegou a engravidar novamente, não queria se ver presa a outra pessoa. Realizou seu sonho de entrar em uma universidade, cursou contabilidade e arranjou seu próprio emprego, tudo nos moldes que ela planejava viver quando se mudou. Às vezes, observava as capas das revistas de adolescente, procurando algo que a levasse a Adams, com sorte ela conseguia encontrar uma foto do filho e uma reportagem curta sobre o menino. Por dentro, sabia que estava apenas procurando algo que a fizesse sentir menos mal — menos culpada.

Não me TOC [COMPLETO]Where stories live. Discover now