01. Querida infância...

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"A juventude só deixa boas recordações, se você envelhecer".

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Querida infância...

Eu te odiava. Odiava o simples soar que a palavra criança tinha. As pessoas ao redor medindo as coisas que pode ou não fazer. Ser criança era isso. Ter que obedecer calado. A final, eles eram os adultos ali. Você só escuta os experientes, e aprende alguma coisa no processo.

Mas a gente cresce. Cresce tanto que num dia você está em casa chegando da escola numa animação, e no outro sua mãe não está lá pra te receber. E como a vida é traiçoeira, ainda tendo que ir a delegacia depor contra seu próprio pai. Surreal, certo? Quando criança eu não pensei nisso. Só pensei que meu pai ir preso, consistia em casas de adoção.


Eu estava certa afinal. Ninguém me privou das lágrimas quando o juiz me deu aquela intimação de ser abrigada no Lar Roses. Só tinha oito anos, e levando em consideração a vivência que tinha na minha casa, ir morar fora não foi tão ruim.

Pelo menos não por alguns anos. Ser criança nunca foi o que eu queria pra mim. Não era o suficiente. Eu queria crescer. Ter meus próprios problemas, não ser um peso pra ninguém.

Acho que alguém ouviu meus pensamentos, porque quando eu menos esperei estava fazendo dezoito anos e sendo expulsa do orfanato.

Ninguém me expulsou, pra ser sincera. Eles só disseram que não podiam ficar mais comigo. A maioridade estava pra bater na minha porta, e eu nem tinha uma pra ser exata.

- Beca? - Olhei pra porta, a tempo de ver Louise entrando. - Sabe como se tira mancha de açaí?

Voltar pra minha casa, ainda não parecia uma opção pra mim. Primeiro: porque eu te odiava infância. E aquela casa era a visão de você. Segundo: porque não estava preparada pra ver o lugar onde sonhos foram roubados de mim. Aceite esse clichê. Eu não voltei pra lá.

- Você pode pesquisar no youtube. - Respondi pra ela. - Está tudo na Internet hoje em dia.

Lutei por uma vaga quando sai do colegial. Com meu histórico penoso de garota do orfanato, com pai preso por assassinato da mãe, eu consegui uma bolsa em uma faculdade local, com direito a dormitório. Sei que esse lugar não é meu, mas com o dinheiro do meio expediente em quatro anos posso alugar um lugar pra mim.

Pra seu meu, sem cheiro de infância.

Meu trabalho não era visto como ruim, na verdade ter esse ponto no currículo seria bem produtivo. Porém, foi Murphy quem disse que se algo pode dar errado, dará. Meus parabéns Edward Murphy por inventar a filosofia de vida do ser humano.

- Matinez? - Ouvi meu sobrenome.
Apenas levantei a cabeça, olhando a pessoa na minha frente.

- Oi, Arthur.

Trabalhar em uma escola fundamental não era ao todo ruim. Só uma parte abuscura que guardo a sete chaves. Crianças tem cheiro de infância, e infância tem cheiro de maldade. Mas nem tudo é só escuridão.

Arthur era um dos professores a qual mais fiz amizade. Apesar de ser uns oito anos mais velho do que eu, ainda éramos amigos. Ele até me dava umas dicas pra usar na faculdade.

- O Prof. Jhonson pediu que levasse as provas. - Falou. - Ele está na sala dos professores. Parece estar de mal humor.

- Pensei que fosse me contar uma novidade. - Brinquei, ele riu. - A sua turma já se foi?

- Sim, o sinal nem bateu e eles já estavam na porta dizendo tchau.

- São adolescentes. De uma trégua.

- Ninguém me dava trégua na época da escola. Eu vou é fazer eles perceberem isso. - Arthur adorava aqueles meninos. Falava assim, mas era como um pai babão.

- Imagino. - Consegui achar a pasta que queria. - Vou levar isso aqui. A gente se vê na segunda feira.

- Ok. Divirtam-se. - Arthur piscou pra mim, e eu só revirei os olhos rindo. Ele maliciava tudo. Credo.

Os corredores já estavam quase vazios quando alcancei a sala dos professores no segundo piso.

Essa escola em especial ficava num território militar. E bem ao lado tinha um hospital, o que era bem útil levando em conta nossos adolescentes rebeldes. No começo não gostei da ideia de trabalhar aqui, mas com o tempo consegui me acostumar. Não que eu goste, mas não vou morrer por estar aqui.

E não, eu não odeio crianças. Odeio a criança que eu fui. Mesmo que o tempo passe não dá pra ignorar tudo que me fizeram carregar esse tempo todo. Meu pai matou minha mãe. Minha casa devia ser um lugar seguro em que eu pudesse viver, mas seguro era uma característica que não entrava por aquela porta.

Por isso quando eu olho e vejo essas crianças, é inegável pensar que eu queria aquela infância.

Suspirei.

Girei a maçaneta e a porta abriu. O professor Jhonson estava encostado na mesa, com um braço apoiado no outro enquanto lia algum papel. O óculos não estava perfeito no rosto, ele recaia um pouco sobre seu nariz. Devia ser proibido professores virem de terno. É atentado ao pudor.

Não demorou que me notasse ali.

- Demorou. - se for pecado maliciar tudo que ele diz, me desculpa universo. - As provas?

- O computador as corrigiu, mas é sempre bom dar uma olhada. - Andei até próximo, entregando-as.

Ele as tirou da minha mão, sem tirar os olhos de mim. Me senti violada por não ter alguma reação. Estávamos na escola. Me virei traçando o caminho de volta pra porta, mas parei:

- Sabe que não preciso das provas. - Ouvi sua voz atrás de mim, quando suas mãos tocaram minha cintura.

- Você pediu, eu trouxe.

- Sabe que foi uma desculpa. - Ele me rodou, pondo-me de frente pra ele.

- Murilo.

- Rebeca.

- Pare. Estamos na escola. - Minhas palavras não condiziam minhas atitudes, então levei minha mão a sua nuca. - Que errado.

- Muito.

E cobriu meus lábios com os seus. Bom, pelo menos ele não era o meu professor. Que clichê. Era o meu colega de trabalho. Eu era a estudante do terceiro ano do curso de artes, que trabalhava meio-período na secretaria da escola. Ele era o professor de física mais atraente que eu já havia posto os olhos.

E agora, nós estávamos nos dando uns pega na sala dos professores, no último turno de aula de uma sexta-feira. Daqui pra melhor.

Xoxox - tessascopelli.

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