Capítulo 2 - Rebeca

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"Ainda há tempo de viver a história que Deus escreveu." — Michele Nascimento

     As ruas estavam pouco movimentadas. Jeferson andava ao meu lado devagar, como se não tivesse pressa. Ele era alto. Tinhas os cabelos negros e um ar despreocupado.

     Eu estava pensando em como era possível eu falhar tantas vezes em acabar com a minha vida.
Eu havia tentado me matar duas, três vezes ou talvez mais.

     Na primeira eu me joguei na frente de um carro. O motorista vinha muito rápido e não notou quando eu me lancei sobre o carro. Ele ficara muito apavorado. Estava distraído no celular e não me viu. A pancada fora muito forte, no entanto, três semanas depois, eu estava em casa. Viva.
Meus pais ficaram loucos, queriam dar queixa em uma delegacia, mas é claro que eu não deixei. O cara não tinha culpa de nada.

     A segunda vez fora na praia.
Eu fui com uns colegas. Quando eles notaram eu já estava lá, me afogando...

     Depois disso eu tentei muitas outras vezes, entretanto nenhuma das vezes eu fui bem-sucedida.

— Sabe, Bianca — falou Jeferson, me tirando dos meus pensamentos. — Deus nunca te abandonou, sabia?

     Não respondi. Não queria questionar, mas também não queria confirmar. Estava frágil naquele momento e não confiava na minha voz para falar alguma coisa.

— Eu sei que você passou por muitos altos e baixos...

"Na verdade mais baixos do que altos.", pensei.

— Sei que você chegou ao fundo do poço e perdeu a esperança, Bianca. Sei também que você acha que não há mais solução pra você. E... eu sei disso porque caso contrário você jamais iria querer desistir da vida. — ele suspirou como se fosse difícil dizer tudo aquilo. — Eu já estive onde você está. Já senti todo o meu mundo cair... Me envolvi com más companhias... decepcionei a minha família. No entanto, estou aqui pra mostrar pra você que ainda é possível sair do poço.

— Você não entende. — murmurei, cansada demais para argumentar.

— Eu entendo sim. — ele me interrompeu. — Entendo porque já passei por isso.

      Ele parou em uma rua escura onde havia muitos mendigos. Alguns deitados no chão frio, outros cobertos com papelão... Ver a situação daquelas pessoas despertou algo dentro de mim. Uma sensação de ingratidão. Reprimi o choro.

— Você pode até achar que não há ninguém no mundo que seja capaz de te entender e ajudar, Bianca. Mas você não conhece todo o mundo e... eu não sou todo mundo, eu me importo com você. A sua vida é preciosa pra mim... E é ainda mais preciosa pra Ele.
— ele ergueu a mão indicando o céu.

— Eu quero ajudar, você. Me deixa te ajudar, por favor.

      Assenti hesitante segurando a mão estendida dele. Ele me guiou por aquelas pessoas. Algumas cheiravam mal, outras pareciam doentes, com frio. Mas por onde Jeferson passava cumprimentava todos pelos nomes. Eu me surpreendi com o sorriso que aquelas pessoas eram capazes de esboçar apesar do estado em que se encontravam.

      Cheguei perto de uma senhora de idade que me convidou para sentar na calçada ao lado dela. Ela não me perguntou sobre o que eu estava vestindo. Apenas sorriu para mim de um jeito acolhedor e pôs a mão sobre a minha.

— Como se chama, mocinha? — perguntou com carinho como uma avó faria.

— Bianca... — sussurrei incapaz de falar mais alto.

     Jeferson conversava com um homem mais velho que ele mais à frente e a atenção da senhora estava direcionada exclusivamente para mim.

— Eu me chamo, Rebeca. — falou a mulher, ainda com a mão sobre a minha. — Você está bem, jovem?

— Eu... acho que sim.

— Ora que pergunta boba a minha é claro que não está nada bem.

     Assenti.

— Iria dizer que Deus ama você, mas tenho certeza que já sabe disso, não é querida?

     Ela sorriu.

      Fiquei em silêncio com a mão dela ainda sobre a minha enquanto observava o estado deplorável em que se encontravam aquelas pessoas. Haviam até mesmo crianças. Algumas dormindo, outras rindo. Aquela imagem fez o meu coração doer.

— Rebeca? — falei no impulso. O nome da mulher pesava em minha língua.

— Sim?

— Como você pode falar de Deus quando a sua vida é isto?

      Ela sorriu para mim de novo.

— Todos os dias eu vou a igreja, Bianca.

     Ela parecia realmente feliz com isso.

— Tem noção do quanto isso é bonito? Eu vivi a minha vida inteira desprezada nessa calçada. Usei drogas... Me prostituí para ter o que comer no fim do dia...
— ela falou isso um pouco envergonhada. — Fiz isso durante muito tempo, minha filha. Nunca fui tão feliz quanto sou agora. Ninguém dava nada por mim. Eu fui um erro na vida dos meus pais quando jovem. Tive problemas psicológicos, passei muito tempo internada em uma clínica psiquiátrica. Mas em meio a todo o caos que tinha se tornado a minha vida eu conheci Jesus.
— ela sorriu satisfeita. — Ah, deixa eu te contar uma coisa, pequena. Eu sou uma simples mendiga. Suja. Sem dinheiro. — ela riu como se fosse engraçado, mas na realidade aquilo não era nem um pouco engraçado.
— Porém, Deus me ama e nunca me rejeitou. Quando entrei na igreja pela primeira vez, estava mais suja do que o normal, cheirava a álcool puro... mas, apesar disso, todos me receberam bem; me abraçaram e me acolheram como se eu fosse da família. Me mostraram que o amor de Cristo vai além daquilo que possamos imaginar.

     Rebeca apertou a minha mão.

— É lindo saber o quanto o amor dele é grande.

     Eu sorri involuntariamente.
Era lindo sim. Um amor tão grande capaz de amar até mesmo alguém como eu.

— Ainda é tempo de viver a história que Deus escreveu, Bianca. — disse ela, antes que Jeferson me chamasse para irmos embora.

     Me despedi de Rebeca e tentei sorrir para transmitir o meu agradecimento, embora não soubesse pelo que exatamente eu deveria agradecer.

— Aonde vamos agora? — perguntei para Jeferson.

     Ele sorriu. Um sorriso tão lindo que fez as minhas pernas tremerem e meu coração acelerar levemente. Sempre ficava sem jeito perto de rapazes bonitos. Sim. Sei que não deveria, mas Jeferson era muito bonito e eu sou humana, não sou?

— Você verá. — ele disse apenas, respondendo a pergunta que eu nem lembrava mais ter feito.

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