O Invasor

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Lá ia ele bem devagar, bem no meio do corredor. Fiquei olhando para ele... E me lembrei do momento em que ele invadiu minha casa ontem à noite, com instabilidade de teco-teco, fazendo um rasante na minha testa, batendo na parede, decolando, batendo no teto, rodopiando, decolando de novo, entrando na luminária e me obrigando a dormir na sala.

Então, naquele momento, à luz da manhã, ele estava ali andando. Na maior cara de pau.

- Fi'damãe, vou quebrar seu galho, tá? - e enchi a bicuda no bicho.

Ele deslizou pela cerâmica, parando uns três metros à frente. Encolhido e imóvel.

- Morre, praguinha. Morre...

Não morreu nada; continuou andando, bem lerdo, mas continuou.

Embicudar ou esmagar?

Levantei o chinelo.

"Agora ferrou", ele deve ter pensado; porque ele se encolheu e ficou quietinho, esperando pela morte. "Pra que isso, véi?"

Né? Covardia.

Calcei o chinelo de novo. Agachei e cutuquei o bicho. Ele se mexeu devagarzinho. Bem devagarzinho até parar.

Derramei uma aguinha perto dele. Ele se arrastou até ela, bebeu um pouco e de repente se recuperou. Aí andou depressinha...

- Vem aqui, vamos bater um papo. - Peguei o bicho, morrendo de medo de ele me fincar, morder, picar, ou sei lá.

Não, ele só curtiu o quentinho da minha mão, só isso. Depois começou a explorar meu braço. Dava uma gastura danada, mas tipo...

- Você voa mal pra caramba, hein, carinha? Queria adotar você, mas acho que não vai rolar. Eu acabei de embicudar você, né... Todo mundo adora embicudar e esmagar sua galera e ninguém tá nem aí. Eh... Os Direitos dos Animais não te protegem... Não sei por quê. Deve ser porque você é esquisito... Coitadinho. O ser humano é assim também, sabe? Muito relativo.

O bicho parou no meu cotovelo. Depois voltou devagarzinho para a minha mão.

- Mas liga não, cascudo. A vida é injusta mesmo. Seria pior se você fosse um pernilongo. Pensa bem... Vai lá fazer o desjejum.

E aí eu coloquei o bicho na terra, no meio do mato. Daí um pouco ele sumiu.

Fiquei pensando nele. Pensei nas abelhinhas inofensivas que invadiram a estante de madeira, só pra fazer um melzinho. Pensei no morceguinho que outro dia mesmo ficou preso na cerca ali fora e morreu. Pensei nas possíveis cigarras barulhentas do vindouro verão. Pensei nos passarinhos amarelinhos que ficam pousados nos fios dos postes, parecendo notas musicais na pauta. Pensei nas bruxinhas beges que ficam circulando a lâmpada de noite. Pensei nos calangos verdes, que parecem miniatura de jacaré e respiram bem devagarzinho. Pensei nas formigas vermelhas que comeram o manjericão e a salsa lá na horta.

Eh... Eu fiz mais que obrigação de preservar a vidinha do cascudo.

Ele não invadiu a minha casa. Eu que invadi a casa dele.

Cara de pau é a minha.

Bicho Esquisito em (minha) CasaOnde histórias criam vida. Descubra agora