O médico volta a pousar a minha perna sobre o colchão e escreve mais alguma coisa nos seus apontamentos. Observo-o com atenção. Ele parece demasiado calmo, como se nada disto fosse novidade para ele. Como se soubesse exatamente o porquê de eu estar aqui neste estado. 

- Não te preocupes, eu sou um dos vossos. - ele fala para a minha total surpresa, como se lesse os meus pensamentos. Se bem que até faz sentido. A Elena uma vez disse-me que os Guardiões estão espalhados por todo o lado, prontos para agir se alguma coisa correr mal e evitar que as pessoas descubram a existência dos Volks, e também da nossa. - Não te lembras de mim?

- Deveria?

  Ele guarda a caneta no bolso da sua bata e encosta o caderno - ou que raio seja aquilo onde ele estava a escrever - no seu peito.

- Já enganaste assim tantos médicos neste hospital? - pergunta. A sua voz deixa transparecer um pouco de humor, que me deixa ainda mais confusa. 

  Enganar? Tendo em conta que desde que cheguei aqui a este mundo só entrei uma vez num hospital - ou duas, contando com esta - então ele só pode ser uma pessoa; O médico a quem eu convenci que era uma Guardiã para roubar o arquivo do Thomas.

- Oh... - solto. Com tantos médicos tinha-me logo que calhar este? - Desculpe, eu só estava a...

- Agora não é hora para falar sobre isso. - interrompe-me. - Mas espero que tenhas percebido que não o podes voltar a fazer. Podias ter trazido muitos problemas não só para ti mesma, como para mim. 

  Assinto.

  Confesso que já estou habituada à ideia de estar sempre metida problemas, não que me orgulhe ou goste desta permanente sensação de perigo, mas acho que quanto mais eu tento evitar problemas, mais os atraio. No entanto a ideia de trazer problemas para os outros assusta-me ainda mais. 

  O quarto de Hospital é tomado pelo silêncio enquanto o médico continua a fazer o seu trabalho. 

- Como é que estão os outros? - acabo por perguntar, sentando-me na cama. 

- A princesa está bem, mas vai ser mantida em observação por mais alguns dias apenas por precaução. O rapaz vai ter que usar o braço ao peito por uns tempos mas também se encontra bem. - ele sorri. - Acho que cuidaste bem deles.

  Sorrio de volta. É impressionante como apesar de o ter enganado ele está a ser simpático comigo.

- E quando é que eu posso ir embora?

- Calma, uma coisa de cada vez. Primeiro temos que fazer-te alguns exames. Pelo que me contaram naquela cave fazia imenso calor. Todos vocês acabaram por ficar muito desidratados. Depois tu também perdeste muito sangue e o facto de teres ingerido uma substância tóxica só piorou a situação, fazendo com que o teu corpo enfraquecesse bastante. Era óbvio que depois de tanto esforço tu irias desmaiar.

  Encaro o médico à minha frente. Esta história de exames não me parece nada bem.

- E esses exames são para ver se eu estou bem ou para perceber se eu sou normal? 

- Para ver se estás bem, claro. Até porque mal chegaste fizemos logo todas as análises de que precisávamos. E sim, os resultados declararam que és tão normal quanto eu ou todos os outros que se encontram neste hospital. - ele solta um pequeno sorriso. - Não é desta que morres acusada de ser um Volk.

  Eu sou normal! Quando a Sophie morreu toda e qualquer ligação que eu mantinha com ela e com os Volks desapareceu junto com aquele sangue e gosma negra. Eu já não tenho nada de Volk dentro de mim... 

The Guardian - The Discovery of a New World (Livro 2)Where stories live. Discover now