Guarda sorridente

20 4 9
                                    


Como é de conhecimento não tão comum, eu na verdade faço esporte. Três vezes por semana eu coloco minhas lentes de contato, prendo o cabelo no que pode ser descrito como o pior coque que você provavelmente já viu na vida, e vou treinar. Dizem que depois de um tempo fazendo a mesma coisa, você meio que se acostuma. Mas eu digo que isso é uma mentira descarada, contada a você para tentar te consolar. Toda vez que eu chego na bancada do lugar, a recepcionista me olha no fundo dos olho e sussurra naquele microfone que elas tem:

- Quem é você e para onde vai?

Sempre me incomoda ser perguntada isso, não só porque isso significa que ela nem se incomoda de lembrar das pessoas, mas também porque a pergunta é levemente perturbadora se levada a fundo, do tipo que poderia muito bem induzir uma crise existencial aos menos preparados.

Okay, eu passo meus documentos pela janelinha, recebo um papel com uns números aleatórios  (algum dia eu deveria tentar ganhar na loteria com eles), e sigo em frente, para falar com outra recepcionista. Essa normalmente nem fala comigo, só me olha com cara de quem odeia a vida e aponta para o detector de metal. Nem me preocupo em responder nada, nem dizer bom dia, só aceno e vou andando até o outro lado do lugar, sem esperar ela terminar de sinalizar aquele trambolho que mais parece um portal futurista. Agora sim chega o ponto alto da minha jornada. Tem esse guarda que sempre que me vê, chega e me olha seriamente, dizendo:

- Não vou te deixar passar. Primeiro você precisa sorrir.

Licença, te conheço?! Por que eu preciso sorrir?! Tipo, gosto muito da atitude, mas quais seriam seus motivos? Não é como se o trabalho de guarda fosse a coisa mais empolgante do mundo para te deixar de tanto bom humor... Enfim, das primeira vezes eu até tentei fugir da situação, fingindo que tava ouvindo música no fone, mas depois percebi que não adiantava muito mesmo então agora só dou o sorriso mais rápido que você respeita, pego minha mochilinha e saio correndo como se não houvesse amanhã.

Nos últimos dias, entretanto, não tenho visto mais o guarda lá, o que é meio triste, porque por mais estranho que seja ele estar sempre tão alegre, deve ser uma pessoa boa que claramente gosta do que faz, sabe? Faz falta ter essa positividade na sua tarde, principalmente se você vai ter que andar oitocentos metros só para entrar numa sala que enfiaram no fim do mundo, sem janelas nem ar fresco, para ser jogada no chão e tentar jogar pessoas no chão. 

Bem, devo parar antes de começar a divagar, te vejo na próxima e não esqueça de desejar um bom dia para aqueles que ama, porque isso pode muito bem fazer a diferença <3 Bye bye bye

Contos de uma vida nem um pouco banalWhere stories live. Discover now